Por que Bolsonaro seria um líder mundial? Por Moisés Mendes

Atualizado em 24 de setembro de 2020 às 7:35
Jair Bolsonaro (foto: Evaristo Sá/AFP)

Originalmente publicado por EXTRA CLASSE

Por Moisés Mendes

O detalhe em comum entre a maioria dos 100 maiores influenciadores mundiais, escolhidos pela revista Time, é o de que eles se dedicam aos outros. Na vida pública, nas ciências, nas artes, no entretenimento.

E o que Bolsonaro faz entre os que trabalham pelos outros e pelos esforços coletivos, se o seu perfil de destruidor não combina com o de quase ninguém?

Uma seleção como essa, que pretende exaltar a dedicação dos escolhidos a alguma coisa em especial, não poderia ter Bolsonaro. Ele é a excrescência da lista.

Time não escolhe os 100 nomes todos os anos para apontar figuras de exceção dedicadas a fazer o mal. Se escolhesse, a lista não teria sentido, ou alguém quer ver a seleção com os mais cruéis ditadores e torturadores?

A lista pode ter, e sempre tem, figuras controversas, mas não do porte de um Bolsonaro. Não há como uma lista de personalidades que se destacam no mundo ter alguém semelhante a Bolsonaro.

Na seleção da Time, das 100 personalidades, 22 são definidas como líderes. Bolsonaro está entre essas lideranças.

Ficou ao lado de Angela Merkel, de Xi Jinping, Joe Biden, Anie Hidalgo (prefeita de Paris), de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, e de Anthony Fauci, o epidemiologista que enfrentou o negacionismo de Trump.

Os que talvez estejam mais próximos do que é Bolsonaro, pela capacidade de odiar e de propagar intolerância, são Trump e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi.

Mas Trump está ali porque é Trump. A lista nunca vai abrir mão de ter o presidente americano. E Narendra Modi está há seis anos no poder.

Os outros nomes citados têm projeção mundial pela dedicação ao humanismo, à inovação, à educação, às relações internacionais, ao ambientalismo, ao combate à pandemia.

Na categoria Ícones, está o youtuber brasileiro Felipe Neto. Entre os que a Time chama de Titãs, aparece o piloto Lewis Hamilton, o mais poderoso militante antirracista hoje.

Mas como Bolsonaro aparece entre os líderes, com apenas um ano e meio de governo? A revista esculhamba com Bolsonaro num trecho curto, com um resumo raso do que ele possa ser.

O homem é apresentado como presidente de um país devastado pela pandemia, pela pior recessão em 40 anos e pela destruição da Amazônia. Conta que ele governa sob suspeita de corrupção, mas tem 37% de aprovação.

É o que basta para que Bolsonaro seja uma figura com projeção mundial? Está na lista porque vai destruir a Amazônia e se consagrar como presidente do país com um dos maiores índices de mortes pela Covid-19?

Bolsonaro está na lista porque é líder de um governo corrupto? Porque ganhou a popularidade de 37% graças ao auxílio emergencial, citado pela própria revista como motivo da sua aprovação?

Bolsonaro não consegue criar seu próprio partido. Não tem base política. Tem o apoio e o controle das Forças Armadas. Conta com o respaldo precário de banqueiros e empresários.

Mas Bolsonaro não é um líder de projeção mundial, ou qualquer déspota poderia ser classificado como líder.

Dizem sempre e vão dizer de novo que a Time já escolheu Hitler e Stalin como Homens do Ano. Mas Hitler foi escolhido um ano antes do início da Segunda Guerra, por seu projeto expansionista. Já era Hitler e tinha projeção internacional. E Stalin (escolhido em 1939 e 1945) era aliado contra os nazistas.

Juntando mil Bolsonaros, incluindo o pai, os filhos e os assemelhados que estiverem por perto, não se forma a metade de um Hitler ou de um Stalin.

Bolsonaro é um ogro, um fenômeno nacional que acaba por desmascarar o que é o Brasil, mas não é um líder mundial. Ah, dirão, mas Felipe Neto também não tem reconhecimento mundial.

Não é a mesma coisa. Felipe está ao lado de ícones pelo reconhecimento do que fazem em suas áreas. É um fenômeno de comunicação em seu país.

Bolsonaro está entre nomes que se projetaram para fora. Até Trump deve estar envergonhado de aparecer ao lado do seu vassalo na América do Sul.

Bolsonaro é apenas um mandalete de Trump. A Time o escolheu para ter alguém da América do Sul, de preferência do Brasil, pela mediocridade geral de outros nomes da direita na região.

Fez a escolha pela controvérsia, para causar espanto. Colocou o sujeito na página online ao lado de Joe Biden e de Angela Merkel. É uma ofensa. O discurso de colegial mentiroso na ONU mostrou que Bolsonaro nunca será um líder.

A lista da Time denuncia a caduquice de um certo jornalismo que ainda sobrevive dos restos do que já foi uma grife. Bolsonaro e a Time se merecem.

No ano que vem, a revista pode aparecer com Damares Alves na lista das 100 personalidades. Não duvidem. Se não for a Damares, pode ser o Carluxo.