Por que Boulos não deve ser candidato em 2018. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 1 de janeiro de 2018 às 20:19

Por Aldo Fornazieri no site GGN, de Luis Nassif.

Guilherme Boulos. Foto: Mídia Ninja

É legítimo que qualquer líder político e social que alcance uma projeção relevante e autêntica aspire ser candidato a altos postos da República, inclusive a presidência. Mas todo líder que quer alcançar a glória pelos seus feitos deve ter um autodomínio espartano sobre suas ambições e sobre a sua vaidade. Ambas podem conduzir a momentos luzentes de fama. Mas o líder que não as domina geralmente será carregado por elas para o sepulcro da história num lento, triste e solitário féretro.

Guilherme Boulos é o líder social mais relevante que se firmou no pós polêmico ano 2013. Culto, inteligente, qualificado teoricamente, vem mostrando que se conduz de forma equilibrada pelas virtudes da coragem e da prudência, essenciais à liderança política. Lidera o mais combativo movimento social que existe hoje no Brasil, principalmente num momento em que outros líderes políticos e sociais mostram-se acuados, contribuindo para a desmobilização social no enfrentamento do golpe e às reformas retrogradas implementadas pelo governo ilegítimo. Enfatizar a virtude da coragem de Boulos e do MTST é importante, pois sem ela não há como edificar algo de significativo para a emancipação de um povo, para a conquista da liberdade dos pobres e para a afirmação de seus direitos.

Independentemente das opções que os partidos progressistas e de esquerda venham a adotar em relação a constituição de um frente democrática ou ao lançamento de candidaturas presidenciais pulverizadas, penso que é inconveniente, tanto para as esquerdas quanto para Boulos, que ele se lance candidato presidencial neste momento. As razões são as que seguem.

A história em geral e a história brasileira em particular se guiam pelo princípio da escassez quando se trata da produção de grandes lideranças populares e progressistas. Ao longo do século XX, e no seu trânsito para o século XXI, apenas duas lideranças deste tipo se projetaram em nossa desaventurada: Getúlio Vargas e Lula. Claro que outros líderes importantes também se apresentaram, a exemplo de Brizola, Miguel Arraes, Jango, entre outros. Mas nenhum deles teve a projeção alargada que tiveram os dois primeiros no exercício de uma liderança simbólica e carismática junto ao povo.

Para que líderes desse tipo surjam e pontifiquem, são necessárias a combinação de uma série de singularidades, proporcionando a oportunidade ou a ocasião para que eles mostrem o seu valor e as suas virtudes. A Deusa Fortuna, como nos ensinou o nosso maior mestre, oferece apenas a ocasião. O líder virtuoso precisa percebê-la, aproveitar o momento maquiaveliano para realizar os seus objetivos, coadunados com os objetivos do povo. Cada um a seu modo, e levando em conta as circunstâncias e desafios específicos, Getúlio e Lula perceberam esses momentos e foram virtuosos em seu agir.

Lula está ali há quase 40 anos, pontificando como líder de um campo democrático e progressista. A partir de 1989 emergiu como líder maior desse campo. Note-se que sob a sua potestade surgiu uma espécie de efeito Átila: nenhum outro grande líder nacional e popular veio à luz ou firmou-se. Mesmo que Lula vença as eleições de 2018 e que venha a se tornar presidente, em termos de tempo histórico a próxima década será marcada pela superveniência da era pós-Lula no que concerne à liderança do campo popular, progressista e de esquerda.

Retornando a Boulos, em que pese a relevância de sua liderança, pode-se dizer que ela ainda está em fase de construção e não alcançou aquela dimensão nacional e popular do grande líder. Existem poucas promessas de lideranças significativas no campo progressista para a próxima década. Destacaria três: Ciro Gomes, Fernando Haddad e Guilherme Boulos. Como patrimônio desse campo, esses líderes devem ser preservados e devem preservar-se, construindo e fortalecendo  com sabedoria as suas trajetórias e as suas lideranças.

Organizar as bases populares e criar uma nova relação de forças

Se Boulos for candidato em 2018, sem ainda ter alcançado um patamar mais alto de liderança nacional, poderá queimar a largada. Digamos que seja candidato pelo PSol. Sua campanha, claro, lhe daria uma maior projeção nacional, mas ele ficaria marcado e identificado como candidato de uma facção minoritária, pensando a esquerda como um só partido formado por vários grupos e facções. Um líder vocacionado para a mais alta esfera de poder precisa ser expressão de unidades amplas.

Esta demarcação, ao mesmo tempo em que o projeta mais nacionalmente, poderia ser fatal para o processo de sua formação e afirmação como líder nacional e popular. Sendo Boulos uma das escassas promessas deste campo progressista, seria lastimável se o seu processo de construção enquanto líder nacional fosse trincado por um passo mal dado ou dado prematuramente.

A segunda razão que desaconselha a candidatura de Boulos diz respeito a um problema estratégico. As forças progressistas e de esquerda estão inseridas no seguinte paradoxo: como regra geral, têm tido, ao longo do tempo, um bom desempenho eleitoral, mas são sistematicamente derrotadas nos momentos de crise, nos momentos decisivos, nos quais poderiam dar um passo adiante na consolidação de direitos, na redução das desigualdades e na transformação social. Foi assim na crise que levou ao suicídio de Vargas, foi assim no golpe militar 1964, na redemocratização com a derrota das diretas já, na crise do impeachment de Collor que gerou oito anos de neoliberalismo e no golpe contra Dilma. Mesmo no contexto da aprovação da reforma trabalhista, as esquerdas e os sindicatos foram derrotados quase que sem luta.

Este paradoxo tem a seguinte explicação: sendo o Brasil um país brutalmente desigual, com elevado índice de pobreza e com vastas áreas de carecimentos, os partidos, candidatos e programas orientados para a solução desses problemas tendem a ter um bom desempenho eleitoral. Mas como os partidos e sindicatos são burocráticos e superestruturais, com frágil inserção e organização de base, a sociedade civil se mostra débil na resistência aos golpes. Como as forças de direita contam com o peso do capital, com os aparatos de repressão, de mídia e judicial, nos momentos de crise, as suas vitórias são relativamente fáceis e não encontram resistência porque as esquerdas não têm força organizada.

O MTST é uma organização de novo tipo: ela é social e política ao mesmo tempo. Tem um foco específico, mas defende bandeiras de um programa geral. Tem força e organização de base. Deslocar, neste momento, a sua principal liderança para o teatro institucional poderá enfraquecer esta perspectiva promissora de criação de poderosas organizações sociais, como instrumentos de mudança de correlação de força, de construção de uma nova hegemonia e de mudança social e política.

Claro que não se trata de  criar uma dicotomia entre o combate institucional e a organização de forças sociais. Mas se os progressistas e as esquerdas não quiserem colher novas derrotas nas próximas encruzilhadas de crises, precisam resolver este problema da organização e da força social e política nas bases da sociedade.

Por fim, é preciso notar que existe um enorme anseio pela construção de uma frente democrática e progressista. Dada a síndrome de Caim e Abel que acomete as esquerdas, esta não será uma tarefa fácil. As direções partidárias, orientadas pelos interesses particularistas de cada partido, são um entrave para a construção dessa frente. Contudo, dada esta vontade generalizada das bases sociais e políticas das forças progressistas e de esquerda, os líderes que apostarem neste caminho, poderão ter um futuro promissor. Esta frente, ao que tudo indica, mais dia menos dia, virá como pressão das bases e da militância. Se vier em 2018, tanto melhor. Mas se não vier, líderes como Haddad e Boulos, entre outros, têm a missão de contribuir de forma decisiva para a sua construção, pois esta parece ser a anunciação mais promissora para a próxima década.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).