Por que cabos elétricos não são enterrados no Brasil

Atualizado em 16 de outubro de 2024 às 17:08
Fiação suspensa nos postes em São Paulo. Foto: Bruno Rocha/Estadão

O apagão que ainda deixa cerca de 100 mil residências sem luz desde a última sexta-feira (11), quando fortes chuvas e ventos superiores a 100 km/h atingiram São Paulo, reviveu a discussão sobre a importância de enterramento dos fios de eletricidade. Segundo a concessionária Enel, no pico do apagão, 2,1 milhões de pessoas tiveram suas casas desabastecidas.

O impacto das tempestades não foi apenas nas redes de baixa tensão, mas também nas estruturas maiores. Dezessete linhas de alta tensão e 11 subestações foram desligadas durante a chuva intensa, gerando um caos na maior cidade do país.

Este não é um fenômeno isolado. Menos de um ano antes, em novembro de 2023, uma outra tempestade também deixou 2,1 milhões de paulistanos no escuro. Especialistas apontam que esses eventos estão frequentemente ligados à queda de árvores, que provocam curtos-circuitos ao atingirem as linhas de transmissão aéreas.

“As quedas de energia normalmente ocorrem quando as árvores derrubam os cabos, provocando curtos”, explicou Edval Delbone, professor do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em entrevista ao BBC Brasil.

Para evitar situações semelhantes no futuro, uma das alternativas propostas é a instalação de fiações subterrâneas, que são mais protegidas contra condições climáticas extremas.

O tema já foi discutido em diversas gestões da Prefeitura de São Paulo. Em 2017, o então prefeito João Doria prometeu enterrar 52 km de cabos no centro da cidade. A atual gestão, sob o comando de Ricardo Nunes, ampliou a previsão para 65 km. No entanto, até agora, apenas 40 km de fiação foram aterrados, conforme dados fornecidos pela Prefeitura.

Apesar da urgência, a transição para um sistema subterrâneo enfrenta sérios obstáculos, principalmente relacionados ao custo elevado. O valor de instalação de cabos subterrâneos pode ser até dez vezes maior do que o de uma rede aérea. Além disso, as obras para enterrar os fios são demoradas e disruptivas para o tráfego urbano. “As obras podem paralisar ruas inteiras por longos períodos, o que torna a logística muito complicada”, destacou Delbone.

Outras grandes cidades ao redor do mundo já avançaram nesse processo. Londres, por exemplo, iniciou a instalação de cabos subterrâneos em 1844 e, atualmente, investe mais de 1 bilhão de libras em um projeto que visa tornar toda a rede elétrica da parte sul da cidade subterrânea.

Cabos enterrados em Londres ficam expostos durante obras. Foto: John Keeble/Getty

Em Paris, essa transformação começou em 1910 e, há mais de 60 anos, toda a fiação da capital francesa já está enterrada. Em Nova York, após uma grande nevasca em 1888, a cidade deu início ao seu processo de aterramento, e hoje 71% de sua rede elétrica está no subsolo.

No Brasil, o cenário é mais tímido. São Paulo conta com menos de 1% de sua rede elétrica subterrânea, enquanto cidades como Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm apenas 11% e 2%, respectivamente.

Para a professora Michele Rodrigues, da Fundação Educacional Inaciana (FEI), o alto custo do material e a complexidade das obras são fatores limitantes. “Os fios subterrâneos precisam ser revestidos com material resistente à água, e a manutenção requer mão de obra especializada, o que encarece ainda mais o processo”, explicou.

Além dos desafios técnicos, há também o problema da manutenção. Em redes aéreas, a identificação de falhas elétricas é mais rápida, pois os defeitos são visíveis. No entanto, em sistemas subterrâneos, a localização de um problema pode ser mais demorada, o que complica ainda mais as operações.

Apesar das dificuldades, Delbone acredita que o investimento vale a pena a longo prazo. “Compensa porque o prejuízo dos consumidores e da sociedade, em casos de quedas de energia, é muito alto. Imagine uma grande indústria ficando sem energia por três ou quatro dias — o prejuízo pode ser incalculável”, afirmou.

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