Por que é um erro do governo Lula mandar carta à Economist

Atualizado em 1 de julho de 2025 às 9:12

 

O governo brasileiro precisa abandonar urgentemente essa ideia tola de escrever uma carta à Economist por causa de um artigo crítico a Lula.

Não vai adiantar absolutamente nada. A missiva será motivo de piada na redação e pode merecer uma resposta debochada, como seus editores fazem com alguma frequência.

A Economist é um bastião do liberalismo. Foi fundada em 1843, no auge do império britânico. Aquele mundo acabou, mas ela continua dando lição para os súditos inexistestes. Hoje, cheira a mofo como o carpete de um pub velho em Fulham.

Lenin disse que a Economist falava apenas para “milionários britânicos”, algo que continua a se refletir em seus textos. A publicação não defende o liberalismo democrático ou o que se propaga em aulas acadêmicas, mas uma versão implacável de “livre comércio”, que se impõe globalmente através do uso da força.

Daí a defesa da guerra contra o Irã, contra o Iraque etc. A revista nasceu em um contexto de laissez-faire no século XIX e continua a apoiar políticas que promovem a globalização irrestrita, sem considerar as consequências sociais e políticas que esses modelos geram.

Todo jornalista tinha uma frase de efeito sobre a capa da Economist. Era chique nos anos 90. Ninguém lia uma mísera linha, claro. Atualmente é mais jeca que blazer de ombreiras.

Lula, diz a matéria, tem adotado uma postura “cada vez mais hostil ao Ocidente”, apostou no BRICS e não fez nenhum “esforço aparente” para se aproximar de Trump. Que “Ocidente”? Que Trump?

Aquele que é amigo de assassinos dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Catar? Que a própria revista chama de “delirante”? Que não sabe nada de “história, economia e detalhes técnicos do comércio”?

Lula deve se alinhar automaticamente com o Ocidente liderado por um homem que tem uma fixação homoeróticas com Putin? Ou o que, segundo uma edição de fevereiro, “começou uma luta mafiosa pelo poder global”? Lula deveria, então, abraçar a Europa — continente cuja decadência vem sendo tema de inúmeras reportagens da Economist nos últimos anos.

Em janeiro, uma reportagem mostrou que “o declínio econômico da Europa está se tornando mais doloroso. Em 1995, a produtividade europeia era 95% da dos Estados Unidos; hoje, é inferior a 80%, o que é uma diferença grande o suficiente para que os turistas percebam. A falha do continente em aproveitar sua escala é um problema”.

A Economist é porta-voz de um tipo de jornalismo aristocrático terminal que insiste em dar lições. Os editoriais do Estadão são os primos pobres dessa patacoada. Vale o que a revista escreveu para Lula: está na hora de olhar para o próprio quintal, que está fazendo água e, logo mais, vai afundar.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.