Por que eu discuti com Obama

Atualizado em 25 de maio de 2013 às 20:43

Uma jornalista conta por que não pôde deixar o presidente americano se comportar como um funcionário do Congresso ao falar de Guantánamo e dos drones.

A jornalista e ativista Medea Benjamin é cofundadora do grupo pacifista Code Pink. No último dia 23 de maio, ela interrompeu o discurso de Obama sobre os drones e Guantánamo (você pode assistir no vídeo acima). Foi aplaudida. Depois acabou escoltada para fora do auditório pelos seguranças. Ela explica suas razões neste artigo, publicado originalmente no site Common Dreams.

 

Depois de trabalhar durante anos com questões como os drones e Guantánamo, eu fiquei deliciada de conseguir uma entrada (a fonte vai ficar anônima) para o discurso de Obama na National Defense University. Eu li muitos relatórios antecipando o que o presidente diria. Falou-se muito sobre grandes mudanças políticas que incluiriam transparência, novas diretrizes públicas para o uso de drones e, no caso de Guantánamo, o começo da transferência de presos inocentes para outros lugares e sua subsequente libertação.

Sentada nos fundos do auditório, eu ouvi com atenção cada palavra do presidente. Fiquei esperando um pronunciamento que representasse uma mudança significativa. Infelizmente, eu ouvi palavras bonitas, mas não a redefinição de políticas fracassadas.

Em vez de anunciar a transferência de ataques aéreos da CIA para o domínio exclusivo dos militares, Obama nem sequer mencionou a CIA e muito menos reconheceu a onda de assassinatos que a CIA vem realizando no Paquistão durante sua administração. Enquanto havia uma expectativa de que ele fosse declarar um fim aos ataques “com assinatura”, baseados apenas no comportamento suspeito e que têm sido responsáveis ​​por muitas mortes de civis, ele não disse nada.

A maior parte do discurso do presidente foi dedicada a justificar ataques aéreos. Fiquei chocada quando o presidente afirmou que seu governo fez tudo o que podia para capturar suspeitos em vez de matá-los. Isso não é verdade. A dependência de Obama dos drones vem precisamente do fato de ele não querer se incomodar com a captura de suspeitos e levá-los a julgamento. Tomemos o caso do paquistanês de 16 anos Tariz Aziz, que poderia ter sido apanhado quando participava de uma conferência em um grande hotel da capital, Islamabad, mas foi morto por um ataque de drones com seu primo de 12 anos dois dias mais tarde. Ou o ataque de drones sobre o qual Yemini Farea al-Muslimi, 23 anos, falou quando testemunhou no Congresso. Ele disse que o homem alvejado em sua aldeia de Wessab era conhecido, reunia-se regularmente com representantes do governo e poderia facilmente ter sido levado para interrogatório.

Quando o presidente estava chegando ao final de seu discurso, ele começou a falar sobre Guantánamo. Como no passado, declarou seu desejo de fechar a prisão, mas culpou o Congresso. Foi quando eu me senti obrigada a falar. Com os homens em Guantánamo em greve de fome, brutalmente forçados a ingerir comida e desprovidos de toda a esperança, eu não podia deixar que o presidente continuasse a agir como se fosse algum funcionário desamparado à mercê do Congresso.

“Desculpe-me, senhor Presidente,” eu disse, “mas você é o comandante em chefe. Você poderia fechar Guantánamo amanhã e liberar os 86 presos que foram inocentados”. Seguiu-se uma discussão.

Embora eu tenha recebido uma avalanche de apoio, há outras pessoas, inclusive jornalistas, que me chamaram de “rude.” Mas aterrorizar vilarejos com mísseis Hellfire que fazem pessoas inocentes evaporar é rude. Violar a soberania de nações como o Paquistão é rude. Manter 86 prisioneiros em Guantánamo muito depois de eles terem sido liberados é rude. Empurrar tubos de alimentação goela abaixo dos prisioneiros em vez de fazer-lhes justiça é certamente rude.

Em um ponto de seu discurso, o presidente Obama disse que a morte de pessoas inocentes nos ataques com drones irá assombrá-lo enquanto ele viver. Mas ele ainda não está disposto a reconhecer essas mortes, pedir desculpas às famílias ou recompensá-las. No Afeganistão, os militares americanos têm uma política de compensação para as famílias de mortos ou feridos por engano. Nem sempre é feito, e muitas famílias se recusam a aceitar o dinheiro, mas pelo menos isso representa alguma responsabilidade por tirar a vida de pessoas inocentes. Por que o presidente não pode criar uma política semelhante quando ataques aéreos são utilizados ​​em países com os quais não estamos em guerra?

Há muitas coisas que o presidente poderia e deveria ter dito, mas ele não o fez. Portanto, cabe a nós falar.

Medea Benjamin interrompe o discurso de Obama
Medea Benjamin discute com o presidente americano