Por que EUA e Europa relutam em criticar Israel

Atualizado em 5 de agosto de 2014 às 9:12

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Publicado na BBC Brasil.

 

Enquanto várias cidades do mundo registraram protestos contra Israel pelos ataques à Faixa de Gaza, nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia muitos governos relutam em questionar a estratégia militar israelense.

Desde o início da ofensiva, mais de 1.800 palestinos foram mortos, 75% deles civis, segundo as Nações Unidas. As vítimas israelenses foram 67, quase todos militares, à exceção de três civis.

Mas a ONU fez grandes críticas a Israel depois que uma escola da organização no campo de refugiados de Jabaliy, em Gaza, foi bombardeada pelos israelenses – episódio que resultou em 15 mortes. Os Estados Unidos chegaram a criticar Israel, mas ressaltaram o direito do país “se defender”.

Há alguns dias, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália também pediram um cessar-fogo e reprovaram a perda de vidas, mas da mesma forma foram cuidadosos em ressaltar o “direito de defesa” de Israel.

Quando o Conselho de Direitos Humanos da ONU votou na quarta-feira passada uma abertura de investigação para determinar se Israel cometeu crimes de guerra em Gaza o resultado foi 29 a 1. Os Estados Unidos votaram contra, e França, Alemanha e Grã-Bretanha se abstiveram.

“Rodeado de inimigos”

A própria criação do Estado de Israel, após o holocausto judeu, está enraizada nos interesses de potências como Estados Unidos e Grã-Bretanha.

Washington reconheceu o Estado de Israel no mesmo dia de sua proclamação, em 1948. Com o tempo, o país se tornou o principal aliado americano na região.

“Os Estados Unidos, em diferentes governos, sempre sentiram a necessidade de defender Israel de ataques globais, particularmente na ONU, onde há um amplo número de países da África, Ásia e América Latina que estão dispostos a se unir para criticar Israel”, disse à BBC Mundo Edward Gnehm, ex-embaixador dos Estados Unidos na Jordânia e hoje professor da Universidade George Washington, na capital americana.

A relação atual entre os dois países está embasada em mais de US$ 3 bilhões em ajuda financeira militar fornecida pela Casa Branca. Segundo o Serviço de Investigações do Congresso americano, Israel é o principal receptor de ajuda estrangeira dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial. O valor acumulado da assistência chega a US$ 121 bilhões.

Além disso, parte significativa da população americana simpatiza com Israel. Uma pesquisa recente realizada pelo Centro de Investigação Pew revelou que 40% dos americanos considera que o Hamas é culpado pela violência atual em Gaza. Os que culpam Israel são 19%.

Além disso, 35% dizem que a resposta de Israel ao conflito está sendo adequada, enquanto 25% opinam que ela foi exagerada.

Europa

Na Europa, a postura dos países não é homogênea nem responde às mesmas condições. Uma das razões está relacionada ao sentimento de culpa em relação aos judeus, segundo Mariano Aguirre, diretor do Centro Norueguês de Construção da Paz.

A Alemanha, por exemplo, é sensível às relações com Israel e permanece atenta ao surgimento de estereótipos antissemitas.

Segundo Michael Brenner, diretor do Centro de Estudos de Israel da Universidade Americana, em Washington, em algumas manifestações recentes os participantes fizeram uma diferença entre Israel e os judeus.

“Qualquer crítica a Israel é permitida, mas (o governo) será mais severo com os efeitos antissemitas dessas manifestações”, ele disse.

Aguirre afirmou que a história colonial da França e da Grã-Bretanha também estão relacionadas ao tema. Segundo ele, esses países “ficam presos em seus próprios discursos” na medida em que as decisões que tomaram no início do século 20 criaram uma atual “inércia diplomática” – que hoje eles não querem revisar.

Outro fator importante para os países europeus é a relação com Washington. “Se criticam Israel, os países sabem que estão colocando em dúvida a postura dos Estados Unidos”, disse Félix Arteaga, pesquisador do Instituto Real Elcano, uma organização não governamental espanhola.

De acordo com ele, os governos europeus não vão criticar a desproporcionalidade dos ataques israelenses antes que o governo Barack Obama o faça.

Além disso, um fator conjuntural também dificulta que as nações da Europa critiquem Israel. “A União Europeia já tem muitos problemas para articular sanções contra a Rússia por causa do conflito na Ucrânia e não pode abrir outra frente”, disse Arteaga.

Por causa desses fatores, segundo o pesquisador, Israel desfruta uma sensação de “impunidade”.

“Há muito tempo os Estados Unidos e a Europa, líderes nesse conflito, aceitaram implicitamente que Israel tem impunidade. Por isso, pode violar sistematicamente o direito internacional, o direito humanitário e os acordos de que é signatário sem ser condenado”, afirmou.

Israel já violou 32 resoluções do Conselho de Segurança da ONU desde 1968, segundo um estudo de Steven Zines, da Universidade de San Francisco, publicado no jornal israelense Haaretz.

Hamas

Segundo Nadim Shehadi, investigador associado de Oriente Médio na Chatan House, um centro de estudos em Londres, uma solução do conflito no momento atual daria força ao Hamas – classificado como grupo terrorista por Washington – na OLP (Organização para a Libertação da Palestina).

“O Hamas se declararia vitorioso”, segundo Shehadi. Ele afirmou que os Estados Unidos e a Europa querem evitar isso a qualquer custo.

Além disso, segundo Aguirre, americanos e europeus ficaram sem uma “resposta política” após o fracasso das negociações da criação dos dois Estados lideradas pelo secretário de Estado americano John Kerry.

“Ficaram sem um marco de referência e sem modelos de negociação para oferecer”.