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Por que Gabriela Hardt não permitiu que Lula falasse da relação de Moro com o doleiro Youssef? Por Joaquim de Carvalho

Nos últimos dias, os veículos das organizações Globo descreveram a substituta de Sergio Moro como uma mulher serena.

Bastaram alguns alguns minutos do depoimento para que essa imagem se esboçasse. Lula fez uma observação pertinente, ao perguntar se ele era dono do sítio ou não.

A juíza disse que era ele quem deveria dar essa resposta. Lula respondeu, então, com uma frase que, à luz do Direito, está absolutamente correta: quem tem que responder é quem o acusa.

A juíza respondeu com o que pode ser entendido como uma ameaça:

“Senhor ex-presidente, esse é um interrogatório –me se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”.

O que ela faria: mandaria prender Lula, que já está preso há mais de sete meses? Ou o amordaçaria?

Em outro momento, já no final do depoimento, Lula fez uma referência ao titular da Vara em que Gabriela Hardt dá expediente.

Ao explicar como era o processo de nomeação para cargos no governo ou no Poder Judiciário e Ministério Público, disse:

“Não sei por que cargas d’água, no caso da Petrobras, houve essa questão de jogar suspeita na indicação de pessoas. É triste, mas é assim, possivelmente por conta de que o delator principal é o Youssef, que era amigo do Moro desde o caso do Banestado.”

A juíza interrompeu para defender Moro:

“Doutor, doutor — diz, dirigindo-se ao advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins. Ele não vai fazer acusações ao meu colega aqui.”

Lula respondeu:

“Eu não estou acusando. Eu estou constatando um fato, doutora.”

A juíza subiu o tom:

“Não é um fato porque o Moro não é amigo do Youssef, nunca foi”.

Como ela sabe?

Lula lembrou que Youssef ficou sob vigilância de moro durante oito anos.

A juíza continuou na defesa do titular da Vara, que hoje é, ao mesmo tempo, ministro escolhido por Jair Bolsonaro.

“Ele não ficou sob vigilância oito anos, e é melhor o senhor parar com isso.”

Mais uma vez: o que ela faria se Lula não parasse? O prenderia? O amordaçaria?

Gabriela Hardt talvez tenha se precipitado na defesa de Moro quanto a esse aspecto de vigilância, porque é fato que, oito anos antes de mandar prender Youssef, o nome do doleiro apareceu em uma escuta telefônica realizada em Londrina.

Em uma reportagem que realizei em 2017, na série sobre a Lava Jato, contei que um advogado da cidade, em conversa com seu cliente, assessor do então deputado federal José Janene, ouve relato sobre o que é, aparentemente, atividade de lavagem de dinheiro de Youssef.

O delegado que realizou a escuta comunicou o fato a Moro e sugeriu que o acordo de colaboração homologado por ele dois anos antes deveria ser cancelado e Youssef, operador no caso Banestado, deveria voltar para a cadeia. Segundo o delegado, além de voltar a operar no mercado, ele teria omitido 25 milhões de reais no acordo de colaboração.

Moro não concordou, e Youssef continuou solto (e operando) até 2014, no início da operação Lava Jato, já com a Petrobras no centro da investigação, quando o doleiro foi preso e fez um novo acordo de delação premiada, na primeira atividade conduzida por Moro que atingiu o PT e suas principais lideranças.

Quem não se lembra do vazamento para a revista Veja de um trecho deturpado da delação do Youssef, em que apareciam as imagens de Lula e Dilma e a frase “eles sabiam de tudo”.

Veja antecipou sua edição em dois dias, na véspera da eleição, e esta capa foi usada como panfleto na campanha presidencial de Aécio Neves.

Estes são fatos naturalmente incômodos a Moro, principalmente se se levar em consideração que o advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, seria denunciado quatro anos depois como achacador de doleiros.

Segundo Vinícius Claret, o Juca Bala, e Cláudio de Souza, ligados ao doleiro dos doleiros Dario Messer, ele recebeu durante cinco anos 50 mil dólares por mês de cada doleiro não denunciado no Banestado em troca de proteção.

Segundo eles, os doleiros não seriam incomodados pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, nem seriam citados em delação. Desde que a denúncia veio à tona, em maio deste ano, depois da prisão desses dois doleiros, no Rio de Janeiro, Figueiredo Basto, chamado de o rei da delação em Curitiba, saiu de cena, e até agora a denúncia não foi investigada.

Lula apenas mencionou fatos que são públicos. Não se pode dizer que Moro e Youssef sejam amigos, mas que o juiz, agora ministro de Bolsonaro, conhece o doleiro há bastante tempo, isso é inegável, e por algum motivo não o tirou de circulação em 2006.

Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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