Por que Gandhi era contra um estado-nação judeu na Palestina

Atualizado em 27 de novembro de 2023 às 18:44
Gandhi

“A Palestina pertence aos árabes no mesmo sentido que a Inglaterra pertence aos ingleses, ou a França aos franceses”, escreveu Mahatma Gandhi na revista Harijan, que fundou, em 26 de novembro de 1938.

O artigo de Gandhi — “Os Judeus” — tem sido objeto de intenso debate ao longo dos anos. Foi citado como evidência de sua ingenuidade por alguns, enquanto outros o viram como mais uma prova de seu profundo compromisso com a não-violência, independentemente das consequências.

Em meio ao massacre de Israel na Palestina, vale a pena relembrar o que ele pensava. Gandhi sempre deixou claro que tinha profunda simpatia pelo povo judeu, que historicamente havia sido injustamente perseguido por sua religião.

“Minhas simpatias estão todos com os judeus. Eles têm sido os intocáveis do cristianismo. O paralelo entre o tratamento que eles recebem dos cristãos e o tratamento que os intocáveis recebem dos hindus é muito próximo. A sanção religiosa foi invocada em ambos os casos para a justificação do tratamento desumano que lhes foi dado”, escreveu Gandhi.

Ele também pontuou que “a perseguição alemã aos judeus parece não ter paralelo na história”, e expressou sua preocupação com a política da Grã-Bretanha de aplacar Adolf Hitler na época. Declarou que, pela causa da humanidade e para evitar a perseguição ao povo judeu, até mesmo uma guerra com a Alemanha seria “completamente justificada”.

“Se alguma vez pudesse haver uma guerra justificável em nome da humanidade, uma guerra contra a Alemanha, para evitar a perseguição livre de toda uma raça, seria completamente justificada”, escreveu Gandhi.

No entanto, ele não apoiou um estado sionista na Palestina.

“É errado e desumano impor os judeus aos árabes. Seria um crime contra a humanidade reduzir o espaço dos orgulhosos árabes para que a Palestina possa ser restaurada aos judeus, parcial ou totalmente, como seu lar nacional”, disse.

Sua oposição era baseada em duas crenças principais. Primeiro, que a Palestina já era o lar dos palestinos árabes, e o assentamento de judeus, que a Grã-Bretanha permitiu ativamente, era fundamentalmente violento.

“Um ato religioso [o ato dos judeus retornando à Palestina] não pode ser realizado na base da baioneta ou da bomba”, escreveu.

Em segundo lugar, Gandhi sentiu (e ele não era o único em compartilhar essa posição na época) que a ideia de uma pátria judaica era fundamentalmente antitética à sua luta por maiores direitos em outros lugares do mundo.

“Se os judeus não tiverem outro lar além da Palestina, eles apreciarão a ideia de serem forçados a deixar as outras partes do mundo em que estão estabelecidos?”, perguntou, acrescentando que a reivindicação judaica de um lar nacional proporcionou “uma justificativa colorida para a expulsão alemã dos judeus”.

Líderes em todo o mundo anti-imperialista ficaram chocados com a administração da Palestina pela Grã-Bretanha e com a Declaração Balfour de 1917, que prometeu aos judeus uma pátria durante o Mandato Britânico. Como o falecido autor britânico Arthur Koestler, um judeu, escreveu sobre a Declaração: “Uma nação prometeu solenemente a uma segunda nação o país de uma terceira”.

As opiniões de Gandhi e seu próprio anti-imperialismo tiveram um impacto profundo em Jawaharlal Nehru, primeiro-ministro da Índia, e foram responsáveis por moldar a política externa do país nascente por décadas. “De muitas maneiras, Nehru herdou essa perspectiva de Mahatma Gandhi”, disse o ex-diplomata indiano Chinmaya Gharekhan ao The Indian Express.

A Índia votou contra a Resolução 181 da ONU, que dividiu a Palestina entre judeus e árabes. Embora tenha reconhecido o estado de Israel em 1950, as relações diplomáticas oficiais não foram estabelecidas até 1992.