Por que Globo e Folha odeiam Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Atualizado em 5 de dezembro de 2019 às 6:49
Folha de S.Paulo e Globo. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no blog do autor

Se não estivessem sob o ataque de Bolsonaro, que tomou a iniciativa da guerra, Globo e Folha teriam a mesma fúria contra a criatura que ajudaram a inventar com o golpe de agosto de 2016?

Foi Bolsonaro quem determinou que Globo e Folha eram inimigas e deveriam ser derrotadas, e não o contrário. No dia 1º de dezembro de 2017, Bolsonaro declarou, em vídeo caseiro, no primeiro ataque direto ao que definiu como “trabalho sujo da Globo”, quando ainda era pré-candidato:

“Vocês aí têm uma audiência de 40% (referindo-se à Globo). Mas pegam 80% da propaganda oficial do governo, que em grande parte sustenta a mídia. Se eu chegar lá, vou fazer justiça, vão perder metade disso, vão ganhar só 40%”.

Lula liderava as pesquisas e Bolsonaro vinha em segundo. A Folha só iria ser atacada diretamente no dia 29 de outubro do ano passado, quando Bolsonaro, já eleito, concedeu entrevista ao Jornal Nacional.

Ao comentar reportagens da Folha sobre seus assessores laranjas, Bolsonaro disse que “por si só, esse jornal se acabou”. E completou: “Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”.

A partir daí, a guerra não teve tréguas. Bolsonaro reduziu as verbas do governo para a Globo, tentou acabar com a obrigatoriedade de publicação de balanços de empresas em jornais (a MP caducou por boicote da base aliada) e determinou que o Planalto cancelasse as assinaturas online da Folha.

Nunca os jornalistas de Globo (TV, rádio e jornal) e Folha estiveram tão à vontade para bater num governo de direita como agora. Talvez nem nos governos petistas a artilharia das duas organizações tenha sido usada com tanta intensidade, todos os dias, na direção de Brasília. Até Merval bate na direita.

Não há, na Globo e na Folha, ninguém que defenda Bolsonaro. As concessões são feitas apenas a figuras, em especial Paulo Guedes e Sergio Moro. O caçador de Lula e fornecedor de grampos ilegais merece tratamento vip. A dívida da Globo com Moro é impagável.
Guedes é exaltado pela sua obstinação com as ‘reformas estruturais’, que interessam aos bancos e aos empresários. E agora ainda tem a festa para o pibinho do trimestre.

Os inimigos de Bolsonaro nos jornais e na TV calibram os ataques quando o foco é a economia e o desmonte do Estado, porque concordam com a liquidação do pré-sal e do que resta de patrimônio público, a precarização de serviços na saúde e na educação (para que sejam assumidas pela área privada) e a depreciação da imagem do servidor público.

Não há uma crítica, uma só, de Folha e Globo, ao Ministério da Agricultura e à liberação criminosa de venenos para a lavoura. Porque a Globo tem um compromisso com o agronegócio, e o agro é pop.

Para quase todo o resto, Globo e Folha mandaram um recado: salvem-se os que puderem se salvar. As mais fulgurantes estrelas do reacionarismo na imprensa brasileira são agora críticos implacáveis de um governo de direita.

As redações de Globo e Folha se divertem com a possibilidade de atacar Damares, Araújo, Weintraub, os subalternos dos órgãos culturais, o filho que pretendia ser embaixador, o negro que se revela racista, o sujeito que acusa os Beatles de disseminarem o comunismo e a adoração ao diabo, os terraplanistas olavistas e o Salles omisso com grileiros e incendiários da Amazônia. A Globo defende a floresta, porque também nessa área há munição para atacar Bolsonaro e fazer o marketing do ambientalismo.

Mas Globo e Folha atacariam os Bolsonaros, sairiam atrás da história do Queiroz e debochariam do fundamentalismo religioso do governo, se Bolsonaro não tivesse declarado guerra?

Como seriam as relações das organizações que Bolsonaro quer exterminar, se o armistício tivesse sido assinado logo depois da posse, e Globo e Folha mantivessem, apenas por protocolo, uma postura crítica branda diante dos desatinos de Bolsonaro?

A Folha continuaria dizendo, como assegurou em outubro, em meio à campanha, que Bolsonaro não era um candidato da extrema direita? Hoje, para a Folha em guerra, é um autoritário “fantasiado de imperador”.

A briga é boa, porque pode reposicionar a Folha golpista e prolongar mais um pouco a sobrevida do jornal impresso. E pode salvar a Globo, se Bolsonaro cair e só se Bolsonaro cair.

Mas Globo e Folha teriam a mesma fúria se Bolsonaro não tivesse declarado guerra aos seus interesses? Os donos, os jornalistas, os leitores, os ouvintes, os telespectadores sabem que não. Bolsonaro também sabe.