Por que há tantos anti-heróis na televisão?

Atualizado em 2 de outubro de 2014 às 16:48
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Walter White: de Mr. Chips a Scarface

Breaking Bad foi considerado por muitos o melhor seriado de todos os tempos – e chegará ao fim em breve, faltando apenas dois episódios para o desfecho. Para aqueles que não conhecem, Breaking Bad acompanha Walter White, um professor de química que, ao descobrir que tem câncer no pulmão, decide começar a produzir metanfetamina para providenciar dinheiro para a sua família. O criador, Vince Gilligan, disse que seu plano era contar a história de um homem que se transforma de Mr. Chips em Scarface.

Então, quer dizer o que persononagem principal de um conceituado seriado americano é um trficante, um sociopata assassino? E que essa série adquiriu mais e mais popularidade conforme Walt se tornava mais imoral? Como isso é possível?

Conforme apontou Daniel D’Addario, do website Salon, as características dos protagonistas de seriados mudaram enormemente das últimas duas décadas para cá. “Os personagens estão ficando cada vez mais cruéis – o fato de que parece difícil acreditar que houve uma época em que protagonistas eram sempre heróicos mostra o quanto as coisas mudaram”. As coisas começaram a mudar lá por 1993, com o drama policial NYPD Blue, um seriado descrito pelo American Family Association como “pornô leve”, e que tinha como protagonista Andy Sipowicz, que lutava contra o alcoolismo, o sexismo e o fanatismo.

Por que essa mudança? O declínio moral dos personagens das séries, certamente, foi facilitado pela ascensão das redes televisivas americanas. Tais redes tornaram possível a criação de um conteúdo que permitiu que os produtores e roteiristas estendessem os limites do que poderia ser exibido.
Maureen Ryan, crítica televisiva do Huffington Post, vê a moralidade desses personagens como menos constante do que a de seus antecessores. “Agora, há mais flexibilidade tanto em comédias como em dramas. Em lugares como HBO, Showtime, AMC, FX e outras redes, a moralidade dos personagens não é necessária, contanto que a história por trás do comportamento transgressivo seja atraente e que as atitudes tomadas pelos personagens sejam, de uma maneira ou de outra, justificáveis”.

O personagem que quebrou o molde heroico foi Tony Soprano – protagonista em The Sopranos, da HBO. Tony é um homem que se importa muito com suas famílias (a tradicional e a criminosa) e que parece sentir falta de uma época mais simples da história americana. “O que aconteceu com Gary Cooper?”, pergunta ele no episódio piloto da série, “O tipo silencioso e forte. Aquilo era um americano. Ele não era sentimental, só fazia o que tinha que fazer”.
Talvez Tony quisesse ser Gary Cooper, mas ele personificava o novo anti-herói americano da televisão, o homem é indulgente com o seu transgressivo e justifica suas ações como os fins justificassem os meios – especialmente se os fins o beneficiassem.

Donna Bowman, colunista do jornal The AV Club, vê o anti-herói como alguém “comandado pelo imperativo do sucesso e pelo imperativo da segurança a fazer coisas realmente horríveis”. Ela completa: “Entendemos que as condições atuais não permitem que sejamos puros, e que a questão é o quão dispostos estamos a sujar nossas mãos enquanto tentamos conquistar aquilo que todos sempre nos disseram que deveríamos desejar”.

Foi o escândalo da corrupção policial de Los Angeles, do final dos anos 90, que inspirou The Sopranos, um seriado que mostrava o quanto um homem estava disposto a sujar suas mãos para conseguir o que queria.

The Shield estreou em 2002 e tinha como personagem principal o detetive Vic Mackey, em suas próprias palavras “um tipo diferente de policial”. Por sete temporadas, ele tomou atitudes piores do que as dos criminosos que perseguia. Como Daniel D’Addario explica, “Um seriado vai até onde é possível. Se não há nenhuma estrutura efetiva, um seriado colocará sua estrela nas situações mais difíceis”. E, comparado com Tony Soprano, The Shield ofereceu a Mackey, “ainda menos chance de redenção”.

Maureen Ryan vê The Sopranos e The Shield como dois dos seriados mais influentes dessa era. “Alguns anos depois da estreia de The Shield e de The Sopranos e uma vez que as algemas de como você podia mostrar as pessoas e suas motivações foram quebradas, foi como se uma barragem tivesse sido derrubada”. Ela completa que “Criadores não só puderam se aprofundar em áreas escusas como foram encorajados por muitas redes televisivas, todas querendo sucesso com seriados considerados perigosos e subversivos”.

The Sopranos pode ter introduzido o anti-herói, mas Tony foi acompanhado por uma pletora de outros. 24, House, Dexter, The Wire, Deadwood, House of Cards e Mad Men, assim como inúmeros outros que vieram a fim de desafiar a noção tradicional de o que significa ser um herói, perguntando até onde você pode levar um personagem e manter a simpatia do espectador por ele. Tony Soprano, Vic Mackay e Don Draper ainda tem seus advogados – apesar de seus comportamentos frequentemente desprezíveis. Bowman acredita que, para esse tipo de personagem interessar a audiência, “Temos que compreender a razão pela qual fazem o que fazem; suas ações devem afluir da compreensão que temos de caráter e circunstância”.

E quanto a Walter White e sua transformação de “Mr. Chips para Scarface”? Talvez apenas quando a série terminar poderemos julgar onde ele se encontra na galeria de anti-heróis televisivos. Mas nem mesmo a morte ou a redenção (se é que é possível) podem mudar os efeitos devastadores das ações de White durante as cinco temporadas.

Como Maureen Ryan aponta, “Poucos seriados fazem você odiar o personagem principal, não importa o que ele tenha feito. Mas os seriados de primeira linha nunca deixam você esquecer que seus protagonistas não são alguém que você deseja emular e, de tempos em tempos, fazem você se perguntar se realmente simpatiza com eles”.

Este texto, da autoria de Al Moloney, foi publicado originalmente na BBC.