
Por mais que o Brasil comemore os 100 anos de nascimento de Jorge Amado, vai ser pouco, tamanha a sua grandeza.
Em toda a história da literatura brasileira, apenas um escritor tem o tamanho de Jorge Amado: Machado de Assis. Se não tinha o estilo admirável machadiano, Jorge Amado retratou o Brasil e sua gente de maneira muito superior à de Machado. E se não alcançou a sutileza psicológica de Machado, como contador de histórias Jorge Amado o deixou longe.
Jorge Amado é o Dickens brasileiro: fez grande arte com personagens simples, extraídos do povo. Não glorificaram os ricos, e sim pessoas sofridas, pobres, batalhadoras. As crianças para as quais Dickens lança um olhar tão compassivo e amoroso em livros como David Copperfield são como que irmãs dos meninos desamparados de Capitães da Areia, de Jorge Amado. As prostitutas da era vitoriana de Dickens são objeto de tanto carinho do autor quanto as baianas desinibidas de Jorge Amado.
Como Dickens, Jorge Amado deixou claro de que lado estava – dos humilhados e ofendidos. Ou, se você preferir a linguagem contemporânea, dos 99%.
Jorge Amado teve duas fases distintas, e em ambas seu coração esteve inteiramente ao lado dos desvalidos. A primeira, na juventude, em que escreveu romances como Capitães da Areia e Mar Morto, vai até meados dos anos 1950. Era uma arte engajada: Jorge Amado militava no Partido Comunista. Nesse período, chegou a escrever uma laudatória – mas não desprezível — biografia do líder comunista Luís Carlos Prestes, “O Cavaleiro da Esperança”.
Quando o mundo soube dos crimes de Stálin, comunistas bem intencionados em todas as partes ficaram chocados. Alguns não acreditaram, e muitos abandonaram o comunismo. Foi o caso de Jorge Amado.
Ele deixou o Partido Comunista e começou a construir a segunda metade de sua obra titânica. É quando emergem as baianas deslumbrantes em sua simplicidade libertina e sem culpa ou pudor, como Dona Flor, Gabriela e Tereza Batista. Todas elas se dedicaram a alegrar sexualmente os homens dos romances em que eram as estrelas e em encantar a imaginação dos leitores.
Jorge Amado foi um caso único de sucesso no exterior. Leitores em todo o mundo se renderam a seu talento exuberante e a seus personagens que os faziam como que viajar para o Brasil simplesmente percorrendo as páginas de seus romances. Se é difícil para você entender como Paulo Coelho é ou foi tão lido fora do Brasil, no caso de Jorge Amado você não tem dúvida nenhuma: é porque ele foi um dos maiores romancistas do século XX. Agora mesmo, na Inglaterra, a Penguin está lançando dois romances seus em inglês para festejar o centenário de nascimento.
Morreu, merecidamente, rico e consagrado aos 88 anos, em 2001. Não ganhou o Nobel por ignorância asinina da Academia Sueca – a mesma que jamais reconheceu os esforços pela paz de Ghandi. Mas conquistou o coração e a mente de milhões de leitores em todo o mundo – entre os quais, modestamente, me incluo.