Por que Lula decidiu permanecer no cárcere e enfrentar os poderosos. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de setembro de 2019 às 17:59
Lula. Foto : Ricardo Stuckert/Instituto Lula

No DCM Café da Manhã, citei uma frase de O Santo Inquérito, de Dias Gomes, para interpretar a decisão que Lula tomaria logo mais.

“Há um mínimo de dignidade que não se pode negociar, nem mesmo em troca da liberdade”, diz o personagem Augusto para a noiva, Branca, que acrescenta:

“Nem mesmo em troca do sol”.

A peça trata de um inquérito que nasce do desejo que um padre, Bernardo, tem por Branca e da inveja que sente de Augusto, o homem que tem o que o sacerdote jamais conseguirá: o amor da bela mulher.

Se não pode ter a mulher, arquiteta o padre, que se prenda e torture o homem que ela quer.

Se tivesse sido escrito depois da Lava Jato, se poderia falar em uma metáfora: a população brasileira como Branca; Lula, como Augusto; e Sergio Moro e os procuradores de Curitiba como o padre.

A peça foi escrita em 1966, mas trata de temas que são universais e atravessam os tempos: o ciúme, o poder e a injustiça. Se Lula não tivesse terminado o mandato dele com 87% de aprovação (ótimo ou bom), certamente não estaria preso.

Seria motivo de piada, como Lech Walesa na Polônia, outro líder sindical que se destacou no final dos anos 70, início dos 80. Mas o governo de Lula, ao contrário do de Walesa, deu certo.

Lula decidiu, então, que pode protagonizar uma tragédia, mas jamais será motivo de piada ou apontado como covarde. É um preço bem alto, mas não há outro caminho para corrigir uma injustiça.

E não se trata de luta pessoal. É uma causa política. Lula preso denuncia a falha do sistema de justiça no país, que prende e condena sem provas.

Se Lula não tivesse sido preso, o STF não estaria discutindo agora a parcialidade de Moro (que é de muitos juízes) e o Congresso não teria aprovado a lei de abuso de autoridade.

Foi a prisão de Lula que chamou a atenção para um problema que certamente não é apenas brasileiro, mas que, por aqui, é espraiado: o abuso do poder.

Ele não é, portanto, a única vítima desse sistema perverso, mas, pela exposição que seu nome tem, a injustiça que condena pobres e pretos fica exposta como um tumor da face.

Em O Santo Inquérito, Branca termina na fogueira.

No Brasil de 2019, o Brasil já foi jogado à fogueira, e agoniza. Mas, para que não morra, Lula decidiu que é necessário enfrentar o cárcere para provar a inocência e manter a dignidade não apenas dele, mas da classe de onde emergiu.

Ele já disse que, se seu governo não tivesse dado certo, nenhum outro operário, em tempo algum, teria nova chance. A carta que Lula escreveu de próprio punho e foi divulgada hoje à tarde é, nesse sentido, uma semente:

“Não descansarei enquanto a verdade e a justiça não voltarem a prevalecer.”

É uma luta que será de muitos.