Enquanto o Presidente Lula alertava na ONU para o “risco de equiparar criminalidade a terrorismo”, dizendo que o caminho é cooperação contra lavagem de dinheiro e armas, a Câmara tenta aprovar uma PL que propõe alterações à Lei Antiterrorismo para incluir facções criminosas e milícias privadas.
Essa estratégia doméstica não é aleatória, mas um alinhamento explícito com o ofício de Washington em maio deste ano requerendo ao Governo Brasileiro que incluísse o PCC e o CV na lista de grupos terroristas.
Foi por causa desse discurso que o dólar caiu e a bolsa subiu? Sério mesmo, Faria Lima? pic.twitter.com/oYZ5Rir6Sk
— Renato Giraldi (@giraldirenato) September 23, 2025
O núcleo mais radical do MAGA (Make America Great Again) tem trabalhado com o Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Nacional americanos para extrapolar as contenções legais da tradicional “Guerra às Drogas” e reclassificá-la legalmente como “Guerra ao Terror” — uma estratégia antes confinada ao Oriente Médio que agora se torna o projeto político central do MAGA para a América Latina, que irei explicar mais abaixo.
No início deste ano, a administração Trump assinou uma ordem executiva, criando um mecanismo para classificar cartéis como Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs) e como Terroristas Globais Especialmente Designados (SDGTs) e declarando emergência nacional por ameaça dos cartéis. Com base nesse processo, o Departamento de Estado designou oito carteis no México, El Salvador e Venezuela como FTOs/SDGTs.
Uma aplicação “atípica” da definição legal. Ou seja, uma interpretação expansiva (ilegal) da lei penal, uma vez que cartéis operam por definição por motivações econômicas, não por objetivos políticos ou ideológicos das organizações terroristas. O caráter político-ideológico desta ordem é mais evidente quando especialistas concordam que a Venezuela tem papel sem significância no tráfico de drogas que chegam aos EUA.
Essa ordem executiva não é nada acidental e faz parte do projeto MAGA de ideologização do “inimigo” como terrorista. Trump poderá agora invocar uma lei de 1798, o Alien Enemies Act (50 U.S.C. 21), que concede ao presidente poderes extraordinários sobre cidadãos estrangeiros cujos países estejam em guerra com os EUA. Embora a lei só possa ser formalmente acionada em caso de guerra declarada contra um Estado, a própria Ordem Executiva ordena que órgãos como o Departamento de Justiça e o DHS se preparem para usá-la caso o governo caracterize “incursões hostis” como ameaça à soberania, abrindo espaço para uma interpretação expansiva na chamada Guerra às Drogas/Terror.
A lei autoriza restringir, prender e remover estrangeiros considerados “inimigos”, atraindo a aplicação das leis terroristas que permitem prisões, restrições e deportações sumárias, sem os processos legais usuais. Esse conjunto de medidas sugere que a Casa Branca busca expandir conceitos tradicionais de guerra e terrorismo para justificar ações extralegais contra estrangeiros.
Foi a partir dessa mesma ordem que Trump ordenou ataques militares americanos contra três embarcações na costa da Venezuela desde 2 de setembro, matando pelo menos 17 pessoas, sem nenhuma comprovação de que estivessem armados ou portando drogas. Alguns especialistas disseram que o ataque foi ilegal sob o direito marítimo ou convenções de direitos humanos; outros afirmaram que contradizia práticas militares americanas de longa data.
Segundo o jornal britânico The Guardian, cerca de 90% dos 238 venezuelanos deportados para o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot) no El Salvador em março passado não tinham antecedentes criminais nos Estados Unidos, e as exceções tinham condenações por ofensas não-violentas como furto em lojas e violações de trânsito.
Donald Trump, em seu discurso na ONU, enquanto vinculava automaticamente a “imigração ilegal” ao crime organizado, exaltava o uso do “poder militar supremo dos Estados Unidos para destruir redes terroristas e de tráfico venezuelanas lideradas pelo (Presidente da Venezuela) Nicolás Maduro”.
Em setembro de 2025, a administração Trump “desclassificou” a Colômbia na sua Majors List, alegando que “sob a liderança equivocada de Petro, o cultivo de coca e a produção de cocaína na Colômbia aumentaram para níveis históricos”. Uma alegação factualmente incorreta, mas que estigmatiza a Colômbia como ineficaz na contenção do tráfico de drogas segundo o padrão americano.
Em sua resposta, o presidente Gustavo Petro relembrou como os próprios EUA não conseguiram regular internamente a produção e prescrição em massa de opioides, enquanto as overdoses — principalmente de fentanil e outros opioides sintéticos — são a causa número um de morte de adultos jovens (18–35 anos).
Essa estratégia, já operacionalizada pelo governo Trump, não ficou restrito ao discurso oficial dos Estados Unidos. No Brasil, sobretudo durante o julgamento de Bolsonaro, a cobertura midiática reforçou percepções artificiosas de instabilidade. Parte da imprensa brasileira — sobretudo a CNN Brasil — deu grande visibilidade ao controverso relatório de riscos globais de 2025 produzido pela questionável consultoria Eurasia Group.
O documento colocava o Brasil entre os países que poderiam afetar a estabilidade internacional, em contraste com outras análises que avaliavam o risco brasileiro como estável. A análise sugeria uma conexão direta entre a instabilidade política brasileira e a associação aos BRICS e a condenação de Bolsonaro, prescrevendo essencialmente a vassalagem à economia norte-americana como única via para a estabilidade política.
Às vésperas do julgamento de Bolsonaro, Christopher Garman, diretor da Eurasia para Américas, afirmou em entrevista, que um desfecho desfavorável a Bolsonaro poderia acirrar tensões entre Brasil e Estados Unidos e levar Washington a adotar medidas adicionais de pressão, inclusive a prescrição de facções criminosas.
Quando se trata de “Guerra às Drogas”, as designadas “Organizações Criminosas Transnacionais” (TCOs) são uma antiga, mas permanente estratégia militar dos Estados Unidos no continente Latino-Americano, para legitimar as operações extraterritoriais do exército americano e extração de recursos naturais.
O documento militar apresentado no Senado americano em 2024 descreve as “TCOs” como uma “oportunidade a ser abraçada” sob o manto da Guerra às Drogas e da “estabilidade regional” como estratégias de entrada na região. Recentemente, a general Laura Richardson do Comando do Sul (SOUTHCOM) declarou publicamente que os recursos da América Latina são “centrais para alimentar a máquina industrial americana”, insistindo que os EUA “devem colocar o pé lá”.
Vídeo de 2022. A general Laura J. Richardson, chefe do Comando Sul dos EUA — responsável pelas operações do Pentágono na América do Sul — discursa sobre a importância dos recursos naturais sul-americanos e afirma que a presença da China na região ameaça a segurança nacional dos… https://t.co/SrQZQgsFMO pic.twitter.com/XNKGmNZrmk
— Pensar a História (@historia_pensar) July 24, 2025
O Comando do Sul é o braço militar oficial dos EUA voltado para vigiar, influenciar e intervir na América Latina e Caribe, misturando discursos de segurança com interesses geopolíticos e econômicos.
Entretanto, o MAGA extrapola qualquer precedente para estigmatizar a América Latina como território dominado por facções criminosas, justificando intervenções militares e desestabilizando investimentos estrangeiros.
Assim, enquanto os Estados Unidos registram 100 mil mortes anuais por overdose de opioides produzidos domesticamente, a solução apresentada é bombardear barcos venezuelanos e classificar favelas brasileiras como células terroristas. A “Guerra ao Terror” se expande ao Sul não para resolver problemas de drogas, mas para resolver problemas geopolíticos americanos da Guerra à China e do mundo multipolar que escapa de sua consciência de mundo – com munição jurídica de 1798 e retórica de 2025.