Por que Moro deixou de ser juiz e se tornou parte no processo de Lula. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 9 de maio de 2017 às 9:39

Numa iniciativa sem paralelo no mundo civilizado, o juiz Sérgio Moro gravou e divulgou um vídeo em que, na prática, pede a seus seguidores que não compareçam às imediações da sede da Justiça Federal em Curitiba na quarta-feira, dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestará depoimento.

Para os ingênuos ou analfabetos políticos, a fala de Moro pode parecer a inciativa de uma autoridade preocupada com a segurança e o bem estar dos brasileiros. Mas, na verdade, Sérgio Moro fez exatamente o contrário: acirrou os ânimos de uma Nação dividida.

E se o País está divido, é preciso buscar as causas e, por maior que mais que haja boa vontade em relação ao magistrado, essa reflexão acabará sempre apontado para Sérgio Moro.

Em dezembro de 2014, na ressaca de uma eleição apertada e com a Operação Lava Jato começando a apresentar seus dentes mais ferozes, o Brasil apresentou a menor taxa de desemprego de sua história.

Pela Pesquisa do IBGE por amostra de domicílios (Pnad), era de 6,5%.

Dois anos e meio depois, com a Lava Jato no auge e um governo legitimamente eleito caído, a taxa de desemprego é recorde. A mesma pesquisa indica 13,7%.

Sob o argumento de que está curando uma doença, a da corrupção, a Lava Jato inovou na justiça penal: transformou prisão provisória em definitiva e e banalizou o instrumento da condução coercitiva, que leva suspeitos a depor debaixo de vara – o que, na prática, significa uma antecipação da pena –, ainda que não tenham sido intimados antes.

O juiz assumiu a liderança das investigações – juiz investigando perde isenção para julgar. Como se pode verificar pelo depoimento de Renato Duque, Sérgio Moro é quem mais faz perguntas – interrogatório de Duque durou 1 hora e seis minutos, tempo do qual as respostas às perguntas de iniciativa de Moro consomem mais de 50 minutos.

É só ver filme americano para constar que, na Justiça dos Estados Unidos, perguntas são feitas pela acusação – procurador – e pela defesa – advogado. Raramente, juiz pergunta. A ele, cabe deferir ou indeferir questões, à luz da lei.

O Brasil não é os Estados Unidos, mas também não a União Soviética de Stálin ou os tribunais da Alemanha nazista.

Pelo menos um ato de Moro considerado abusivo – a divulgação das conversas telefônicas de Lula com a então presidente Dilma Rousseff –, foi analisado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o resultado consolida a tese de que, sob o juiz de Curitiba, o Brasil vive um estado de exceção.

Em 22 de setembro do ano passado, por 13 a 1, o Tribunal rejeitou o pedido formulado por 19 advogados de afastamento do juiz, por abuso e falta de isenção.

O voto do relator do TRF-4 contém uma frase que passará à história assim como a do ex-ministro Jarbas Passarinho durante a reunião que aprovou o AI-5, na ditadura militar.

Disse Passarinho: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” 

Disse o relator do TRF-4, ao legitimar a ação de Moro: “É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada operação ‘lava jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”, afirmou.

Em outras palavras, a Operação Lava Jato é um caso excepcional e, nessa condição, exige solução que escapará ao “regramento geral”, portanto, terá solução excepcional.

Único desembargador a votar contra, Rogério Favreto também proferiu uma frase que, com certeza, terá seu lugar na história, com significado inverso:

“O Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais e constitucionais”, pois “sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal, evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais membros desta corte”.

Talvez seja esse entendimento de que a Lava Jato é um caso de exceção é que tenha levado Moro a obrigar que Marisa Letícia Lula da Silva, mesmo depois de morta, ainda trave uma luta na Justiça para ter sua absolvição reconhecida, como manda a lei.

Parece absurdo, mas é o que está hoje em apreciação no mesmo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região.

Moro disse não ao pedido da defesa para que Marisa seja declarada inocente.

Desde 2008, uma alteração na lei, que adaptou o Direito a tratados internacionais, manda que, com a morte e a consequente extinção da punibilidade de um réu, este seja declarado absolvido, para preservar o princípio da presunção de inocência.

Morta, como Marisa ou qualquer outro réu pode se defender?

Moro não concordou. Será que o juiz quer evitar a manchete “Marisa absolvida”?

O caso está sendo debatido agora em grau de recurso, nas instâncias superiores.

Outro absurdo destes tempos de justiça excepcional é a resposta que o governo brasileiro deu à Organização das Nações Unidas (ONU), num processo que Lula move sob o argumento de que está sendo perseguido através de uma ação judicial que, apesar da aparência de legalidade, tem o objetivo de destruí-lo politicamente. É o chamado lawfare.

A resposta do governo brasileiro, que faz parte da estratégia de defesa, foi elaborada com a participação dos procuradores da república e do juiz Sérgio Moro.

Ressalvadas as proporções, é como se, na ditadura militar, ao responder a uma denúncia de que havia tortura no Brasil, o governo elaborasse a resposta à ONU juntamente com o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Não faz sentido.

Em tempo: a resposta elaborada pelo governo brasileiro juntamente com Moro e os procuradores contém uma inverdade: diz que, ao ser conduzido à força para depor à Polícia Federal, Lula “decidiu exercer o seu direito de permanecer em silêncio”.

Basta uma busca no Google para constatar que Lula respondeu aos delegados .

O interrogatório começa com o delegado perguntando: “Podemos começar então, senhor presidente?”

O Lula responde: “Estou pronto”.

E seguem-se 3 horas e 35 minutos de perguntas e respostas. A transcrição do depoimento, disponível na internet, tem 109 páginas.

Há outros exemplos da excepcional parcialidade da Justiça Federal em Curitiba no processo movido contra o ex-presidente Lula.

A certeza é de que, ao ser tratado como um duelo – a capa da revista Veja mostra Moro e Lula como dois adversários de luta livre –, o depoimento de Lula deixou de ser um ato de justiça.

  Transformou-se numa coisa qualquer, menos uma ação que se espera de um Poder que deve pairar acima das paixões humanas.