Uma notícia neste super feriado passou despercebida, exceto pelos blog do Fausto Macedo, do Estadão, e pelo Antagonista, da corretora Empiricus, sempre afinados com a Procuradoria Geral da Republica, nos vazamentos da Operação Lava Jato.
O procurador regional da República Eduardo Pelella, da Procuradoria Regional da República da Terceira Região, foi convocado para depor (como testemunha, a princípio) à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da JBS.
Pelella foi chefe de gabinete e braço direito do ex-procurador geral Rodrigo Janot.
Mas a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, impetrou mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal para impedir o depoimento.
“De fato, não cabe a Comissão Parlamentar de Inquérito dedicar-se a investigar eventuais condutas censuráveis de membros do Ministério Público, muito menos sindicar eventual cometimento de crime por eles”, disse Raquel.
“Investigação criminal ou administrativa de membro do Ministério Público é tema que se esgota no âmbito do próprio Ministério Público, que, para isso, dispõe de organismos com os conselhos – tanto o nacional como o do Ministério Público Federal – vocacionados a esse exercício. A investigação penal tampouco é atribuição do Poder Legislativo”, acrescentou.
Ao mesmo tempo, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) – representando todo o Ministério Público brasileiro –, também impetraram mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal.
Os argumentos são parecidos.
O depoimento está marcado para o dia 22, e quem decidirá se concede ou não liminar em mandado de segurança é o ministro Dias Toffoli, sorteado para relatar as ações.
A pergunta que não quer calar: o que difere o procurador Pelella de qualquer outro cidadão brasileiro?
Até onde se sabe, a Constituição assegura que ninguém está acima da lei, e a CPI tem poderes para convocar quem quer que seja, com o objetivo de esclarecer fatos tidos como criminosos — no caso, a suspeita de que o acordo de delação premiada da JBS envolveu tráfico de influência.
O Judiciário pode intervir no caso de fundadas suspeitas de abusos ou arbitrariedade por parte das CPIs — Magno Malta, por exemplo, quer conduzir coercitivamente uma testemunha que se dispõe a depor, o curador da exposição Queermuseu, e nesse caso o ministro Alexandre de Moraes entende que, sim, ele pode fazer a condução coercitiva.
O cancelamento da convocação do procurador Pelella só se justificaria se ele não tivesse nenhuma relação com o acordo de delação premiada da JBS.
Mas foi Pelella quem a coordenou e, no auto-grampo de Joesley Batista e Ricardo Saud, o nome dele é mencionado como a autoridade que mantinha Janot informado de tudo.
Recorde-se esse trecho da gravação:
Joesley: O Janot sabe tudo! Janot… a turma já falou pro Janot.
Saud: Você acha que o Marcello [Miller] tá levando tudo pra ele?
Joesley: Não, não é o Marcello. Nós falamos pro…
Saud: Anselmo.
Joesley: Pro Anselmo, o Anselmo que falou pro Pelella [chefe de gabinete de Janot], que falou pro não sei que lá, que falou pro Janot, o Janot tá sabendo… aí o Janot, espertão, o que o Janot falou: “Bota pra ****, bota pra ****. Põe pressão neles pra eles entregar tudo! Mas não mexe com eles. Pra ****, dá pânico Aneles!, mas não mexe com eles”.
O auto-grampo serviu para revogar a imunidade judicial acordada com Joesley e Saud. Por que não poderia fundamentar uma simples convocação para depor da CPI?
Em geral, quem recorre ao Judiciário para não depor ou ter o direito de ficar em silêncio nas comissões é quem tem culpa no cartório.
Seria este o caso do procurador Pelella?
Nem Pelella, nem Joesley, nem Janot, nem Temer, nenhum brasileiro está acima da Constituição.
Se Dias Toffoli atender ao pedido da procuradora Raquel Dodge e das associações, mais uma vez o Brasil assistirá a uma cena lamentável: o Supremo rasgar a Constituição.
Quem já fez isso uma vez, ao permitir o golpe parlamentar — impeachment sem crime de responsabilidade –, violar a Lei Maior outra vez é fácil.