Por que o Brasil pode ser a bola da vez nos protestos como os do Chile e da Colômbia. Por Victor Farinelli

Atualizado em 10 de setembro de 2020 às 9:28
Protesto de aposentado no Chile

POR VICTOR FARINELLI

Faltava a Colômbia entrar dessa convulsão andina contra o neoliberalismo, e agora já não falta mais. A greve geral desta quinta-feira (21/11) foi talvez a maior manifestação da história do país, e sua repercussão tem sido igualmente gigantesca.

Segundo as organizações sociais que participaram do evento, houve mais de um milhão de pessoas nas ruas, somando a participação nas marchas de diferentes grandes cidades.

Entre as principais razões para o protesto estão os princípios neoliberais de sucateamento dos serviços públicos e favorecimento aos interesses privados, presentes nas reformas trabalhista, previdenciária, e educacional – um pacote de maldades que também tem sido promovido no Brasil desde o governo de Michel Temer, e que pisou no acelerador depois da chegada ao poder de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, mas sem despertar maior insatisfação popular, ao menos por enquanto.

Contudo, a principal comparação que se pode fazer com o caso colombiano, que recém começa, é com o Chile, onde a explosão social já registra 35 dias seguidos de protestos contra o modelo neoliberal legado pelo ditador Augusto Pinochet (1973-1990), e também contra as violações aos direitos humanos cometidos pelo governo de Sebastián Piñera desde outubro.

A rebeldia chilena já superou a que se viu no Equador, onde começou essa onda de revoltas populares.
Os chilenos estão nas ruas a mais dias, e também estão exigindo resultados mais profundos, como a renúncia do atual presidente e o fim da constituição deixada pelo ditador.

Na Colômbia não se fala ainda em renúncia de Iván Duque, mas além da luta contra o neoliberalismo, também há um claro levantamento popular contra um aspecto importante do discurso de ultradireita belicista promovido pelo atual mandatário.

Duque fez campanha em 2018 se apresentando como um inimigo dos Acordos de Paz realizados no país desde dois anos antes – e que, recordemos, foram impulsados por Juan Manuel Santos, que também é de direita.

Com sua candidatura promovendo o discurso contra os Acordos, a Colômbia voltou a ver um aumento da violência letal contra líderes políticos e sociais. Desde fevereiro do ano passado, já são mais de 200 os assassinatos de pessoas ligadas a movimentos sociais e regionais, especialmente nas zonas rurais do país.

Também houve um atentado contra a vida do líder da esquerda do país, Gustavo Petro, ocorrido em plena campanha presidencial de 2018 – graças a ter sobrevivido ao ataque, Petro conseguiu ser o candidato que perdeu o segundo turno contra Duque, naquela ocasião.

Além das demandas relacionadas ao repudiado modelo econômico neoliberal, que Duque tenta aprofundar, a greve colombiana desta quinta também reclama maior defesa à vida das pessoas que trabalham nas organizações sociais – outro problema que também está se mostrando cada vez mais grave no Brasil, sem provocar maiores reações.

Por isso a greve contou com tanto apoio de entidades de representação estudantil, organizações indígenas, feministas, comunidade LGBTI, de afrodescendentes e de imigrantes.

Novamente, uma coincidência com o Chile, onde as organizações sociais, embora não vivem tão fortemente o tema dos assassinatos de lideranças como acontece na Colômbia, também foram parte da explosão social desde a primeira hora.

Finalmente, a semelhança triste entre os casos chileno e colombiano está na reação repressiva dos dois presidentes de direita encurralados pelos protestos. Tanto Iván Duque quanto Sebastián Piñera não perderam tempo em adotar medidas que foram além da ação violenta nas ruas.

O colombiano anunciou toque de recolher nas principais cidades na primeira noite após a greve geral no país.
O chileno impôs isso dois dias depois da primeira marcha, mas o fez junto com um decreto que instaurou um Estado de exceção no país, o que permitiu a ação das Forças Armadas na segurança interna do país por 7 dias, o que deixou como resultado ao menos 21 mortes, e dezenas de casos de estupro e torturas.

Interessante recordar que, no começo deste ano, Duque e Piñera competiam para ver quem era o campeão da democracia na nova onda de direita que parecia se instalar no continente.

Ambos se acotovelavam para ver quem dava o movimento decisivo para ajudar o autoproclamado Juan Guaidó a assumir o poder de verdade na Venezuela – com Duque aproveitando a vantagem de ser vizinho.

Em março, Piñera reagiu criando a ProSul, entidade que substituiria a UnaSul, boicotada pelos governos de direita por ser “muito chavista”.

Na ocasião, o presidente chileno encheu a boca para dizer que sua nova organização buscava “defender os valores democráticos na região”, ao lado de Jair Bolsonaro, todo um exemplo de respeito ao pensamento divergente.

Agora que as ruas pedem uma prova dos nove sobre a qualidade democrática dessa nova direita no poder, Piñera e Duque fracassam de forma retumbante em colocar em prática suas palavras.

Pelo contrário, ambos só fazem comprovar a tese verificada desde os tempos do pinochestismo, de que o modelo neoliberal só pode ser implantando com a ajuda de um governo capaz de submeter brutalmente a sociedade – e não é por acaso que Paulo Guedes, o Chicago boy brasileiro, viu em Bolsonaro a oportunidade de instalar finalmente seu projeto econômico no Brasil, ao ter sido testemunha desse axioma naquele Chile dos Anos 80.

Resta saber se esses dois presidentes andinos, que tanto queriam ser ícones da democracia, não terminarão sendo os carrascos definitivos dela nesta América do Sul que caminha na corda bamba, a ponto de cair em outro precipício autoritário.