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Por que o esquete de humor mais racista da história ajudou a pensar sobre o racismo

 

Os humoristas brasileiros precisam tomar uma lição com Richard Pryor, um dos mestres do stand-up comedy, e aprender a fazer piada de preto. Talvez assim eles consigam se redimir das idiotices que produzem e usem o humor para criticar o establishment, e não como caixa de ressonância para patacoadas conservadoras.

A piada a que me refiro é velha, de 1975, e vem do programa Saturday Night Live. O esquete mostra uma entrevista de emprego entre um chefe branco e um candidato negro a assistente de serviços gerais, interpretados por Chevy Chase e Pryor.

O quadro começa com o entrevistador analisando os papéis do candidato e dizendo que ele tem as qualidades para o cargo. Em seguida, avisa que vai fazer um teste psicológico de associação de palavras.

Ele diz uma palavra e o personagem do Pryor tem de responder rapidamente o que vem à cabeça. Tudo começa bem, com palavras inócuas, até Chase soltar o ofensivo “nigger”. Pryor respira fundo, parece não estar entendendo nada, e responde com “whitey”, que poderíamos traduzir como “branquelo”. Chase manda outro adjetivo racista e Pryor responde à altura.

A troca de insultos continua. Aí entra a genialidade de Pryor. À medida que a tensão entre os dois cresce, o esquete fica cada vez mais engraçado. Impossível não rir diante da expressão transtornada e furiosa do comediante, as narinas dilatadas ao ouvir o repertório racista de Chase, que vai dizendo tudo numa boa, como se estivesse recitando poesia.

No fim, o auxiliar de serviços gerais é contratado com um salário três vezes maior e com duas semanas de férias antes de começar o trabalho.

O esquete com pouco mais de dois minutos retratou de forma contundente uma situação racista. Passa longe do clichê do branco malvado e do negro coitadinho. É um confronto brutal num escritório sujo e pequeno num dia qualquer da semana. Alguns podem até considerar o quadro ofensivo e hoje, provavelmente, aquilo não iria ao ar.

Mas foi um sucesso, chocou, dividiu opiniões, ajudou a pensar e é considerado um dos clássicos do SNL. Catapultou a audiência do programa e ajudou Chevy Chase e Richard Pryor a estourarem. Prova como a combinação entre um bom texto e a atuação de comediantes talentosos pode divertir, contestar e romper barreiras ao mesmo tempo.

Há uma diferença enorme entre isso e, digamos, oferecer bananas a negros. Mas ainda chegamos lá. Porque se até o ex-deputado Severino Cavalcanti, lembram dele, admitiu que poderia evoluir, por que seria diferente com os nossos comediantes?

Marcos Sacramento

Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.

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