Por que o estoicismo continua em alta: 10 lições de Marco Aurélio para lidar com o caos atual

Atualizado em 8 de agosto de 2025 às 6:40
Estátua de bronze do imperador romano Marco Aurélio montado a cavalo – Foto: Reprodução

O interesse por livros sobre estoicismo tem crescido de forma consistente, revelando uma busca por princípios mais sólidos em tempos de incerteza. Obras como “Como Ser um Estoico”, de Massimo Pigliucci, e “Lições de Estoicismo”, de John Sellars, têm se destacado nas livrarias, junto a clássicos como “Manual de Epicteto” e as “Meditações”, de Marco Aurélio. A cada ano, surgem novos títulos sobre essa escola filosófica fundada por Zenão de Cítio no século III a.C., que propõe uma vida guiada pela razão, pela moderação e pela aceitação do que foge ao nosso controle.

Um exemplo recente é “O Estoico Cotidiano”, de William Mulligan, youtuber com mais de 400 mil seguidores. O alcance desses livros surpreendeu até os próprios autores. Pigliucci lembra que, após a publicação de um artigo no New York Times em 2015, recebeu três propostas editoriais no mesmo dia. Desde então, sua obra foi traduzida para mais de 12 idiomas e já vendeu mais de 300 mil cópias. A editora espanhola Ariel confirma o crescimento constante das vendas.

Esse fenômeno vai além do conteúdo original da filosofia. Em muitos casos, os ensinamentos estoicos foram adaptados e simplificados, ganhando forma em manuais de autoajuda promovidos por influenciadores e empreendedores. Para entender esse movimento, vale observar alguns fatores.

1. O estoicismo nasceu em tempos de instabilidade — como os nossos

Zenão criou sua escola em um período de transição. Após a morte de Alexandre, o Grande, a Grécia viu seus antigos modelos de organização desmoronarem, sendo substituídos por grandes reinos centralizados. Filósofos passaram a se perguntar como o indivíduo poderia viver bem diante de forças tão distantes e incontroláveis. Pigliucci vê semelhanças com o presente: crises políticas, guerras, colapsos ambientais e sociais nos deixam com a sensação de impotência.

A pandemia de 2020 aprofundou esse sentimento. Segundo Iker Martínez, professor de Filosofia Antiga na UNED (Espanha), o isolamento e a fragilidade humana despertaram o desejo de resgatar valores como justiça, sabedoria e domínio dos impulsos. São virtudes defendidas pela ética estoica.

Sellars acrescenta que, em sociedades cada vez mais seculares, o estoicismo oferece uma estrutura ética que antes era buscada na religião. Por isso, cresce também o interesse pelo budismo, com propostas semelhantes de equilíbrio e atenção plena.

2. Uma filosofia que serve para viver

O estoicismo não se limita a analisar o mundo: ele ensina como viver. Como destaca María Isabel Méndez Lloret, decana da Faculdade de Filosofia da Universidade de Barcelona, seu diferencial está na aplicabilidade — e essa aplicação depende de cada pessoa. A base está na razão, na vontade e na clareza diante das próprias escolhas. Ela ressalta que é uma filosofia acessível a todos.

Um dos princípios mais conhecidos é a dicotomia do controle. Pigliucci explica que se trata de distinguir o que depende de nós — como nossos julgamentos e ações — daquilo que escapa ao nosso alcance, como doenças ou turbulências políticas. Epicteto, por exemplo, lembra que o sofrimento nasce do modo como interpretamos os acontecimentos, não dos fatos em si.

Isso não significa reprimir emoções ou aceitar tudo passivamente. Os estoicos reconhecem os afetos como parte natural da vida. O ponto central é não ser dominado por eles. Pigliucci dá o exemplo de um voo cancelado: sentir frustração é normal, mas perder o controle não resolve nada. A atitude estoica seria buscar outro voo, registrar uma reclamação e manter a calma enquanto espera.

A influência da filosofia estoica na psicologia moderna é reconhecida. Albert Ellis e Aaron Beck, pioneiros da terapia cognitiva, se inspiraram em Epicteto. Embora o estoicismo não substitua tratamento psicológico, pode colaborar com práticas de regulação emocional. Um exemplo é a Semana Estoica, organizada desde 2012 pela associação Modern Stoicism, com participação de cerca de 40 mil pessoas e resultados positivos relatados após as atividades.

3. Não é uma moda passageira

O chamado “neoestoicismo” começou a tomar forma nos anos 1990. Em 1998, Lawrence C. Becker publicou “Um Novo Estoicismo”, defendendo sua atualidade. Pigliucci cita também o romance “Eu Sou Charlotte Simmons”, de Tom Wolfe, de 2004, que ajudou a aumentar o interesse por Epicteto — lido por uma das personagens enquanto está presa.

Lawrence C. Becker – Foto: Reprodução

Mas a continuidade do estoicismo vai além dos movimentos recentes. Zenão dialogava com outras escolas que buscavam respostas semelhantes, como os cínicos, os epicuristas e os céticos. Os estoicos, porém, se mostraram mais duradouros. No século I, nomes como Sêneca e Epicteto mantiveram seus ensinamentos vivos. No século II, Marco Aurélio registrou suas reflexões em “Meditações”, obra que segue influente.

Méndez Lloret observa que, nessa fase, o estoicismo passou a incorporar frases curtas e conselhos práticos, fáceis de aplicar e memorizar — o que ajuda a explicar sua permanência. Sua influência atravessou o cristianismo, o Iluminismo e até a formulação de ideias como direitos humanos e cosmopolitismo. Cícero e Sêneca, embora pagãos, foram valorizados por pensadores cristãos. Circulavam até supostas cartas entre Sêneca e São Paulo.

Com o tempo, algumas diferenças se destacaram: os estoicos viam o suicídio como aceitável em certas circunstâncias, por exemplo. Mesmo assim, a filosofia foi preservada durante séculos. Seu legado está presente em ideias atuais sobre cidadania, liberdade individual e dignidade universal.

Dez lições de Marco Aurélio em “Meditações”

  1. Concentre-se no que você pode controlar

Não se desgaste com aquilo que está fora do seu alcance.

  1. Aja com justiça, moderação e coragem

A virtude deve guiar todas as ações, não os desejos ou medos.

  1. Lembre-se da impermanência das coisas

Tudo passa — a dor, o prazer, a glória e a vida.

  1. Não espere recompensas externas

Faça o bem por princípio, não por reconhecimento.

  1. Domine suas reações, não os eventos

Os fatos não nos afetam diretamente; é nossa interpretação que os torna bons ou ruins.

  1. Aceite o destino com serenidade

O que acontece faz parte da ordem natural do universo.

  1. Seja firme nas dificuldades

A adversidade é uma oportunidade de exercitar a virtude.

  1. Evite julgamentos precipitados

Antes de reagir, observe os fatos com calma e clareza.

  1. Valorize o presente

O momento atual é tudo o que você realmente possui.

  1. Seja útil ao mundo

Viva de forma que suas ações contribuam para o bem comum.