Por que o filme “A Sociedade da Neve” pode fazer história no Oscar

Atualizado em 23 de fevereiro de 2024 às 17:38
Cena de “A Sociedade da Neve”

Quem está em 2024 entre 55 e 60 anos vai lembrar dessa história parecida com uma manchete de um tabloide muito lido nos anos 70, o Notícias Populares, que habitava minha lembrança de menino.

Agora, quase 52 anos após os fatos ocorridos nos Andes, um filme arrebatador relata essa saga. “A Sociedade da Neve” fala do caso de um voo que partiu do aeroporto de Carrasco, em Montevidéu, com destino a Santiago do Chile em 13 de outubro de 1972. A aeronave caiu na cordilheira dos Andes e os sobreviventes tiveram de recorrer ao canibalismo.

Alcançou um marco ao se consagrar como o terceiro filme mais premiado na história do cinema da Espanha durante a premiação do Goya. Arrebatou 12 dos 13 prêmios em que foi indicada. A sucessão de impactos e sensações nas duas horas e 20 minutos levou a fita a concorrer ao Oscar de melhor filme internacional.

É inspirado no livro homônimo de Pablo Vierci. A direção e a costura do roteiro nos levam a uma montanha russa de sensações claustrofóbicas e no mínimo desconfortáveis. Vem tendo repercussões favoráveis desde sua estreia no festival de Veneza em setembro de 2023 e em janeiro estreou na Netflix. Para o diretor espanhol Juan Antonio Bayona, era necessário um naturalismo cênico, e para isso foi montado um set em plena cordilheira, próximo ao local do acidente.

O avião com o time de atletas uruguaios de rúgbi chamado “Old Christians Club” caiu na fronteira da Argentina com o Chile em meio às montanhas do Vale das Lágrimas. Ao todo, estavam 45 pessoas, entre jogadores, familiares, amigos e tripulantes. Apenas 16 sobreviveram —12 pessoas morreram na queda, 6 nos dias seguintes e 11 pela escassez de alimentos e pelas condições críticas.

Tiveram de viver mais de dois meses isolados entre as montanhas geladas, em um deserto branco, gelado e hostil, tendo como única opção para sobreviver se alimentar de parte dos corpos dos mortos.

Um dos sobreviventes em destaque, o hoje bem sucedido cardiologista Roberto Canessa, afirmou o seguinte em entrevista à BBC: “Pensei que se fosse uma das vítimas teria orgulho de meu corpo ser usado por meus colegas como um projeto de vida”.

Essa história já foi contada num filme intitulado “Vivos” (1993), mas havia um mal-estar com as famílias dos sobreviventes e dos falecidos. Era necessário achar uma forma de conduzir e contar esse épico contemporâneo, respeitando todas as implicações morais e religiosas que ele possui.

O cenário contém belas paisagens em fotografias colossais, às vezes um pouco exageradas no show de drones em sobrevôo. Outro fio condutor que merece destaque é a fórmula encontrada por Michael Giacchino em sua trilha sonora, tentando uma pacificação religiosa para a saga dos que lutavam pela vida. Talvez uma tentativa de se afastarem da escuridão em que poderiam estar mergulhados em pleno mar branco de neve, caminhos e contradições religiosas entrelaçadas subliminarmente no sagrado corpo de Cristo.

Um murro no estômago em uma sociedade cada vez mais mesquinha e alienada, em que os likes das redes superaram de longe a capacidade de transformação dos sentimentos em lágrimas e sorrisos.