Por que o Iraque e não a Síria? O que está por trás da intervenção dos EUA

Atualizado em 13 de agosto de 2014 às 10:25

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Publicado na BBC Brasil.

 

Apenas horas após o presidente Barack Obama falar em atacar determinadas regiões do Iraque, iniciaram-se os primeiros bombardeios.

Foi uma surpresa para muitos, dadas as complexidades do processo de tomada de decisão em temas de política externa.

Mas a urgência tinha explicação: a situação em que se encontrava (e ainda se encontra) a minoria religiosa yazidi, refugiada em uma montanha no norte do Iraque, sem comida e bebida; e a proximidade do grupo militante Estado Islâmico à cidade curda de Irbil.

A agilidade contrastou com o longo vai e vem de declarações, reuniões, audiências e avisos de intervenção na Síria, onde os Estados Unidos decidiram não realizar nenhuma missão militar.

“150 mil sírios mortos perguntam: o que os yazidis têm que nós não temos?”, escreveu o editor do grupo Foreign Policy, David Rothkopf, na rede social Twitter.

Muitas outras pessoas nas redes sociais fizeram a mesma pergunta: como os Estados Unidos agiram tão rápido no Iraque enquanto o conflito na Síria continua?

Realidades diferentes

“Esta é certamente uma questão que muitas pessoas têm feito e que é muito difícil de responder”, disse à BBC Elizabeth Saunders, professora do departamento de Ciência Política da Universidade George Washington, na capital americana.

“Há uma analogia com a intervenção na Líbia, que começou em março de 2011. Os casos do Iraque e da Líbia têm um fator comum: os Estados Unidos consideram que há uma ameaça iminente para uma determinada população. Os americanos julgam que poderiam fazer uma diferença imediata para uma população tão específica”, argumenta.

“Na Síria, claro, a devastação e destruição humanitária são enormes, mas é muito mais difícil identificar exatamente o que os Estados Unidos podem fazer no caso sírio, quais são as facções do conflito e qual seria o interesse dos Estados Unidos. No Iraque e na Líbia era mais simples determinar qual lado poderia ser ajudado de uma maneira rápida “, acrescenta Saunders.

Além dessas razões, foi o próprio governo do Iraque que solicitou a assistência dos Estados Unidos. O pedido foi feito no mês de junho, para conter o avanço do grupo militante Estado Islâmico, que na época tomou o controle de vastas áreas no país, incluindo a importante cidade de Mosul.

Por outro lado, a intervenção internacional na Síria seria como um ataque ao governo do presidente Bashar al-Assad, imerso em uma guerra civil com diversas facções rebeldes, umas mais moderadas que outras – entre elas o próprio Estado islâmico – desde março de 2011.

Apoio internacional

Um ano atrás, Barack Obama parecia disposto a intervir na Síria. A denúncia do suposto uso de armas químicas por parte do governo sírio acelerou os preparativos para uma operação militar no país.

Mas, na ocasião, Obama esperou contar com o apoio de seus aliados, em particular do Reino Unido. O Parlamento britânico votou contra a missão na Síria, o governo francês estava indeciso e Obama ficou sozinho.

Na mão oposta, o forte apoio da Rússia e do Irã ao governo de Bashar al-Assad aprofundaram o impasse.

Não está claro se alguém se opõe a esta última missão dos Estados Unidos no Iraque, mas há suspeitas de que EI receba financiamento da Arábia Saudita e do Qatar.

Mas tanto a Rússia quanto o Irã estão contra o grupo sunita e a própria Al Qaeda parece não apoiá-lo.

‘Responsabilidade única’

Outra diferença entre a Síria e o Iraque diz respeito à natureza dos dois conflitos, observa o repórter da BBC em Washington Thomas Sparrow.

“Obama herdou a guerra no Iraque e tentou responder a ela desde o primeiro dia de seu governo, enquanto o conflito na Síria foi crescendo depois dos protestos de 2011 e chegou a um ponto de ruptura no verão do ano passado”, explica o correspondente.

“Como Obama prometeu acabar com a guerra no Iraque e fez uma declaração triunfante sobre o assunto em 2011, quando retirou suas tropas, ele sente uma responsabilidade especial, quase única, pelo que acontece no país”, diz.

“Também tem reflexo o custo humano associado a este conflito: mais de um milhão de americanos participaram e cerca de 4,5 mil morreram.”

A esse sentimento de responsabilidade moral soma-se o medo de estar diante de um possível caso de genocídio que os Estados Unidos não tentaram impedir.

Na Síria, nenhuma minoria chamou tanta atenção como os yazidis.

Conflitos relacionados

Enquanto todas essas diferenças separam os dois conflitos, também é inevitável fazer associações.

Em uma declaração que não foi bem recebida na Casa Branca, a ex-secretário de Estado, Hillary Clinton, disse no final de semana que “a falta de uma ação na Síria levou à crise atual no Iraque”.

A ex-secretária não é a única pessoa que considera que o EI cresceu por não ter sido contido na Síria.

Resta ver se a intervenção americana no Iraque irá gerar uma espécie de efeito dominó no conflito sírio.