Por que o mundo do Direito é essencialmente conservador. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 3 de agosto de 2019 às 15:42
Supremo Tribunal Federal – Antonio Cruz/Arquivo Agência Brasil

Publicado originalmente na fanpage do autor no Facebook

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM, professor associado de Direito da UERJ

O DIREITO E A POLÍTICA EM UMA PERSPECTIVA MENOS INGÊNUA

O Direito não é produto da natureza. Ele só existe na “cabeça” do ser humano. Vale dizer, o Direito pertence ao “mundo da cultura”. Sem o ser humano, desaparece o Direito, pois não haverá relações pessoais para serem reguladas.

Por outro lado, o ser não será “humano” se não viver em sociedade, travando relações intersubjetivas com seus semelhantes. Ademais, não há sociedade sem normas jurídicas que regulem a sua estrutura e o seu funcionamento.

Na verdade, é preciso compreender que o Direito reflete as relações econômicas que estão na base material de uma determinada sociedade. Ele é, por ela, condicionado. Impensável um Direito capitalista em uma sociedade verdadeiramente socialista e vice-versa.

Em sendo normativo e valorativo (axiológico), o Direito sofre influência direta dos valores que fundamentam o poder político que o cria. Em uma sociedade capitalista, o poder econômico se faz muito presente na criação das normas jurídicas.

Acresce que a “contaminação” política do Direito se apresenta, outrossim, na sua aplicação aos casos concretos.

Os juízes interpretam as normas jurídicas e valoram os fatos sobre os quais elas devem incidir “contaminados” pela sua “cultura”, “contaminados” pelas suas “visões de mundo”, vale dizer, pelo quadro ou escala de valores que absorveram nas suas vidas em sociedade. Nesta perspectiva, todo julgamento é um ato político (no sentido técnico do termo).

Desta forma, é uma mistificação a assertiva de que o Direito é neutro e de que a sua aplicação aos casos concretos é neutra também. Direito e justiça são “categorias” distintas …

Em sendo normativo, o Direito sempre será conservador, na medida em que não pode acompanhar as rápidas evoluções que ocorrem nas sociedades. Os seus criadores e aplicadores são homens pertencentes a determinadas classes sociais e reproduzem os valores reinantes nestes segmentos sociais.

Desta forma, percebe-se claramente que, em uma sociedade capitalista, o Direito e a sua aplicação jamais irão verdadeiramente privilegiar a classe trabalhadora. O Direito jamais irá contrariar o sistema que o engendrou.

Dizendo de outra maneira: o Direito burguês é mais um instrumento de dissimulação das injustiças sociais e um obstáculo às mudanças efetivas das relações de produção e circulação da riqueza nacional.

Por vezes, tendo em vista a correlação de forças existentes em determinado momento histórico, o Estado cede em ”questões periféricas” para manter estável o que socialmente é principal para usufruto dos privilégios da classe dominante.

O problema é que não há possibilidade de existir uma sociedade sem normas jurídicas (anomia), como dissemos acima. A produção de normas jurídicas é inerente à vida de relação, à vida societária. Em sendo assim, uma acelerada evolução social (ou mesmo uma ruptura) somente será alcançada com uma revolução na “infraestrutura” das sociedades, mudando-se o modo de produção material, a forma de produção e distribuição de suas riquezas.

Destarte, o máximo que se pode esperar do Direito é que ele crie “espaços sociais” que possibilitem a conscientização do povo trabalhador a fim de que, alterando-se drasticamente as relações materiais e econômicas, se possa lograr, a médio prazo, uma sociedade verdadeiramente justa, fraterna e libertária. Se o Direito não atrapalhar já será um ganho importante !!!