POR DANILO MOLINA
Depois de quatro tentativas, a bancada ruralista da Câmara dos Deputados aprovou, em comissão especial, nesta segunda-feira (25), relatório favorável ao chamado PL do Veneno. O projeto esvazia a atuação dos órgãos de saúde e do meio ambiente no controle e na regulação do uso agrotóxicos no país, delegando ao Ministério da Agricultura uma série de ações que são, hoje, exercidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ibama.
Na prática, agrotóxicos com características cancerígenas, mutagênicas, que causam malformação no feto, dano ao aparelho reprodutor, desregulação endócrina ou que prejudicam o meio ambiente poderão ser utilizados nas lavouras brasileiras. Além disso, ao permitir o registro automático de produtos, poderemos ter, no mercado nacional, agrotóxicos que não passaram por qualquer avaliação quanto à eficiência agronômica, aos impactos na saúde dos consumidores e dos trabalhadores rurais e aos efeitos no meio ambiente.
Na contramão de todos os países desenvolvidos, que se preocupam cada vez mais com a questão da sustentabilidade, a aprovação do relatório do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) representa um grave retrocesso nas políticas públicas brasileiras de proteção da saúde e do meio ambiente, no que se refere ao uso de agrotóxicos, uma verdadeira farra do veneno. É evidente que os agrotóxicos não possuem uma interface exclusiva com a agricultura. O uso desses produtos gera impactos e possui riscos para a saúde a para o meio ambiente.
O limiar entre os benefícios do manejo adequado de um agrotóxico, que pode eliminar determinada praga da lavoura, e os riscos do uso incorreto desse mesmo agrotóxico, que pode matar um ser humano e comprometer completamente todo um ecossistema, por exemplo, é muito estreito. Por isso, a atual legislação sobre agrotóxicos prevê uma atuação conjunta e articulada dos órgãos de agricultura, da saúde e do meio ambiente.
Pelas regras atuais, um novo agrotóxico só pode entrar no mercado brasileiro se for eficaz no controle de uma determinada praga, se não causar prejuízos ao meio ambiente e se não deixar resíduos capazes de afetar a saúde da população nos alimentos. Esses produtos também devem poder ser manipulados pelos trabalhadores rurais, mesmo que com uso de equipamentos de proteção individual, sem afetar a saúde dos mesmos.
Tais condições configuram-se como medidas protetivas fundamentais para que os agrotóxicos sejam utilizados na lavoura brasileira de maneira segura, sem comprometer a saúde dos consumidores e dos próprios trabalhadores do campo. Isso porque, não há dúvidas dos efeitos nocivos que o uso inadequado de agrotóxicos pode gerar na saúde humana, tanto no que diz respeito aos efeitos crônicos que o consumo de pequenas doses de resíduos de agrotóxicos durante um período de tempo prolongado pode gerar nos consumidores, quanto no tocante aos efeitos agudos, que acometem principalmente os trabalhadores e as trabalhadoras, vítimas de intoxicação no manejo desses produtos.
Sem a preocupação com o impacto que os agrotóxicos podem gerar na saúde das pessoas e no próprio meio ambiente, os desdobramentos do uso desses produtos para toda sociedade podem ser devastadores. O próprio Instituto Nacional do Câncer já se posicionou, em 2016, contra o uso de agrotóxicos e recomendou a redução do emprego desses produtos nas plantações, em razão de que a exposição aos agrotóxicos está relacionada ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer.
Nunca é demais relembrar pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, entre 2007 e 2014, avaliou os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o meio ambiente, no município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. Dentre outros resultados alarmantes, a pesquisa revelou a contaminação de 56% das amostras de chuva recolhidas no pátio das escolas e de 25% das amostras de ar, também nos pátios das escolas e constatou, ainda, a contaminação com resíduos de agrotóxicos de 100% das amostras de leite materno de 62 mães que pariram e amamentaram, no referido município, em 2010.
Mesmo que a bancada ruralista não se dê conta, o PL do veneno também pode ter efeitos nocivos para a própria agricultura brasileira, um dos mais modernos, avançados e importantes segmentos da economia nacional, responsável por 23,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2017. Não é novidade o uso da justificativa de barreiras sanitárias como instrumentos de disputas comerciais, inclusive em razão da contaminação de produtos por agrotóxicos, para que países adotem medidas protecionistas e restrinjam a importação de alimentos de outros países, com a imposição de barreiras comerciais.
No passado, o próprio suco de laranja brasileiro, que possui cerca de 80% do mercado mundial, já foi vítima de barreiras comerciais pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos. À época, as autoridades norte-americanas questionavam a presença, em nosso suco de laranja, de resíduos do agrotóxico cihexatina, que, depois, veio a ser retirado do mercado brasileiro pela Anvisa, em razão dos efeitos nocivos do referido agrotóxico para a saúde humana.
Os produtores rurais têm todo direito de questionar a demora das autoridades federais na análise para a liberação de novos agrotóxicos, muitas vezes inovadores, no mercado nacional. Mas, é preciso pontuar que os registros desses produtos, uma vez concedidos, têm prazo eterno, não precisando de qualquer tipo de renovação, como ocorre para outros produtos sujeitos à vigilância sanitária, como medicamentos e cosméticos.
Ademais, a solução para essa morosidade não está no completo esvaziamento da competência regulatória de órgãos fundamentais para o bom funcionamento da sociedade, especialmente quando tratamos da saúde das pessoas. O caminho passa pela melhoria dos procedimentos regulatórios, melhoria na gestão e pelo fortalecimento dessas instituições, com a ampliação e a capacitação do corpo de servidores públicos.
O PL do Veneno ainda tem um longo caminho a percorrer antes de virar lei, com a votação no plenário da Câmara dos Deputados, a tramitação no Senado Federal, a sanção presidencial e a própria judicialização do tema, que certamente ocorrerá se mantidas as diretrizes atuais. Por isso, é imprescindível um debate qualificado e um posicionando claro e público do Governo Federal, que tem preferido a conveniência do silêncio, na mediação da pauta e na total preservação da atuação dos órgãos da saúde e do meio ambiente no controle dos agrotóxicos utilizados no Brasil.
Ainda que a bancada ruralista e a indústria dos agrotóxicos queiram colocar a saúde da alface acima da saúde dos nossos filhos, o PL do Veneno é um desastre completo. Da forma que está, além de cruel, o projeto ameaça a saúde da população, dos nossos filhos, dos trabalhadores rurais, do meio ambiente e da própria agricultura. A farra do veneno é um retrocesso inaceitável, que só será derrotada com forte participação e mobilização da sociedade civil. forte participação e mobilização da sociedade civil, para que a sociedade brasileira enfrente os poderosos interesses da bancada ruralista e das multinacionais dos agrotóxicos.
Danilo Molina é jornalista e servidor público de carreira. Foi assessor da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no governo Dilma Rousseff. Possui, ainda, pós-graduação em Assessoria em Comunicação Pública
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