Por que Olavo de Carvalho está injuriado com os militares. Por Miguel Enriquez

Atualizado em 3 de fevereiro de 2019 às 13:43
Olavo de Carvalho. Foto: Reprodução

POR MIGUEL ENRIQUEZ

Na última semana, o mundinho bolsonarista entrou em polvorosa. Não bastassem episódios como o fiasco do “mito” em Davos, as patacoadas produzidas em doses cavalares por personagens como a impagável ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e as vicissitudes do senador Flávio Bolsonaro, investigado pelo Coaf por movimentação ilegal de recursos e pelas estripulias de seu motorista Fabricio Queiroz, caiu como uma bomba a declaração de guerra do guru Olavo de Carvalho aos militares que integram o governo.

Os alvos preferidos das diatribes de Olavo foram os generais Hamilton Mourão, vice-presidente da República, e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.

O primeiro ataque tomou corpo num vídeo de 15 minutos no Youtube, no qual o ex-astrólogo se dizia escandalizado com a posição dos militares diante da decisão do deputado Jean Wyillys (Psol-RJ) de renunciar a seu mandato, atemorizado por ameaças contra sua vida. Sobre Wyllys, Mourão chegou a dizer que “ameaçar um deputado é um perigo para a democracia”.

“Você não tem vergonha, Heleno? Mourão, você não tem vergonha de puxar o saco desse Jean Wyllys e nada fazer em minha defesa?”, disparou Olavo, que garante também ter sido ameaçado inúmeras vezes nas redes sociais. Segundo ele, só no falecido Orkut, as ameaças alcançam centenas de milhares de páginas.

Também não faltaram imprecações contra o posicionamento dos generais em temas como a permissão de abertura de uma base militar dos Estados Unidos no país e a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.

A vovó Donalda do bolsonarismo ficou especialmente irritada com o encontro entre Mourão e o embaixador palestino Ibrahim Alzeben, na segunda-feira, 28. “ Enquanto os israelenses estavam socorrendo as vítimas da tragédia de Brumadinho, o Mourão estava trocando beijinhos com a delegação palestina, prometendo que a nossa embaixada não vai mudar para Jerusalém”, afirmou Olavo, de seu santuário de Richmond, no Estado americano da Virgínia.

Mas o que mais deve ter irritado Olavo foi a indiferença com que Mourão reagiu às suas críticas. “Quem se importa com as opiniões do Olavo?”, rebateu. Foi demais para o ego do guru bolsominion, que replicou, dizendo que o general deve seu posto no governo a ele.

“Você subiu à sua parcela de poder levado de carona por um movimento popular ao qual não deu a menor contribuição notável e que, segundo o próprio Bolsonaro reconhece, foi inspirado pelo Olavo”, afirmou usando a terceira pessoa, como se fosse o próprio Pelé. “Se você não sabe quem liga para a opinião do Olavo, você não sabe a quem deve o cargo que ocupa”.

Mesmo para o sanatório bolsonarista, convenhamos, o bate boca iniciado por Olavo de Carvalho parece um tanto despropositado e desproporcional ao tamanho das divergências, o que não deixa de ser intrigante.

Aparentemente, o real motivo da insatisfação de Olavo de Carvalho parece ter sido desvendado numa reportagem do jornalista Igor Gielow, publicada na edição deste domingo do jornal Folha de S. Paulo.

Com o título de “Militares do governo põem Itamaraty sob tutela”. De acordo com o texto “a ala militar do governo promoveu uma espécie de intervenção branca no Itamaraty, passando a tutelar os movimento do chanceler Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis – crise na Venezuela à frente.”

Como, apesar da distância, até os cisnes do lago do centenário Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, estão carecas de saber, o chanceler Araújo, é uma invenção de Olavo, de quem foi aluno aplicado, e forma com o colombiano Ricardo “Canibal” Vélez, ministro da Educação, suas principais indicações no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. Tutelar Araújo, é colocar para escanteio o sensível Olavo.

Segundo a Folha, o desconforto dos militares com Araújo, um diplomata pouco experiente, que nunca comandou uma embaixada ou ocupou um posto de destaque no exterior, vem desde os primeiros dias do atual governo.

Eles teriam ficado particularmente preocupados com uma recomendação do chamado Grupo de Lima de suspender a cooperação com o regime de Nicolás Maduro, subscrita pelo atual chanceler, sem qualquer consulta às Forças Armadas.

Para a área de inteligência militar, trata-se de um erro crasso, já que é justamente a cooperação com seus colegas venezuelanos que mantém os brasileiros informados sobre o governo bolivariano.

Outro ponto de atrito, foi justamente a defesa que Araújo, juntamente com Bolsonaro, fez da instalação de uma base militar dos Estados Unidos, no país, uma heresia para os oficiais brasileiros.

Diante dessa proposta, houve até quem sugerisse a demissão de Araújo, o que seria desastroso para o novo governo. Em vez disso, optou-se pela intervenção branca. “Não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de defesa”, diz a reportagem.

Como resultado, Araújo que, segundo Mourão em entrevista à revista Época, “não disse a que veio”, baixou o seu perfil, parou de dizer bobagem e, em vez de defender uma intervenção militar na Venezuela, passou a trabalhar por uma saída honrosa para Maduro.

Ele também teve de baixar a bola em relação à disposição de macaquear os Estados Unidos e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, insistentemente anunciada por Bolsonaro. Agora, no máximo Araújo, admirador incondicional do presidente americano Donald Trump, diz que o assunto “está em estudo”.

E, suprema humilhação, Araújo teve de assistir passivamente à iniciativas de Mourão, que já recebeu duas delegações de países árabes, às quais garantiu que a representação diplomática brasileira permanecerá onde está.

A reportagem finaliza mostrando o pouco apreço – na verdade, desdém – reservado pelos militares a Araújo, a começar pelo projeto, compartilhado com Bolsonaro, de “livrar o Itamaraty das amarras ideológicas.”

É alvo de chacota entre eles, por exemplo, o discurso destrambelhado de Araújo, na cerimônia de posse no Ministério das Relações Exterior, em que não faltaram citações em tupi-guarani. Idem para o artigo em que creditou a Deus a união entre Bolsonaro e Olavo, o anjo injuriado.