Por que os ciclistas vão virar uma pedra no mocassim de Doria. Por José Cássio

Atualizado em 19 de outubro de 2016 às 8:23
Doria
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A se julgar pelas atitudes, não são apenas os professores que vão dar dor de cabeça ao prefeito eleito de São Paulo, João Doria. Os ciclistas também prometem.

Três dias após as eleições, um grupo deles pedalou até a mansão do empresário, no Jardim Europa, zona Sul, e se deitou no chão em forma de protesto pelas declarações de Doria em relação às ciclovias. 

Durante a campanha, e nos dias que sucederam sua vitória,  o prefeito eleito afirmou que iria rever o programa de ciclovias de Fernando Haddad e que entregaria o sistema à iniciativa privada.

Ele também declarou que pretendia acabar com as ciclovias que não têm movimentação. Rápida no gatilho, a moçada do pedal não deixou passar batido.

Atualmente o Sistema Cicloviário é de responsabilidade da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e integra o Plano de Mobilidade do Município, cujo objetivo é fomentar o uso da bicicleta como meio de transporte.

Esse sistema é composto não só pela rede cicloviária como também pelos estacionamentos, sistema de compartilhamento de bicicletas e ações complementares.

Para Daniel Guth, diretor de participação da Ciclocidade, associação que luta pela promoção do uso da bicicleta, as declarações de Doria são um absurdo: “Ele falou sem conhecimento técnico ou empírico sobre essas infraestruturas”.

Apesar das inúmeras críticas à construção das ciclovias, é inegável que a atual gestão teve um papel importante no incentivo ao uso da bicicleta.

“Haddad deixa a cidade em um cenário muito mais favorável para que a cultura da bicicleta continue crescendo”, afirma Guth. “Ele assumiu a prefeitura com 68 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas e deixa 400 quilômetros a mais, portanto, 468 km de vias segregadas e permanentes para quem se desloca de bicicleta”.

E por que construir tantas ciclovias e ciclofaixas?

Simples: a construção delas vem antes dos ciclistas, fenômeno já observado em diversas cidades mundo afora.

“Um exemplo é a avenida Paulista”, diz Daniel Guth. “Tinha em torno de 970 ciclistas por dia e, três meses após a implantação da ciclovia, passou para 2,2 mil”.

Além de aumentar o número de ciclistas, o projeto das ciclovias teve boa avaliação dos paulistanos. De acordo com pesquisas, 51% dos entrevistados disseram terem usado as ciclovias e 66% se mostraram favoráveis às faixas.

Hoje, a rede de ciclovias na região central é bastante integrada, o que não acontece nos bairros periféricos, onde se encontram trechos mais curtos ou que terminam em vias sem outra ciclovia por perto.

Será papel da próxima administração dar continuidade a esse projeto e conectar ainda mais o sistema.

Outro destaque da gestão Haddad foi a construção de pontes e viadutos adequados para pedestres e ciclistas, uma medida importantíssima para a inclusão dessas pessoas no espaço urbano.

“São infraestruturas que evitam a segregação social e geográfica”, explica Guth. “Elas fazem com que as pessoas se sintam convidadas a circular pela cidade. O modelo antigo apenas promovia a alta velocidade”.

Daniel Guth

Na mesma linha de “acalmamento” do trânsito urbano, está a diminuição dos limites de velocidade nas vias, promovendo mais segurança justamente aos grupos mais vulneráveis.

Os benefícios dessa política vão além das questões ambientais e de mobilidade, chegando no campo social, como a promoção da economia local — desmentindo a falácia de que as ciclofaixas atrapalham o comércio.

Guth explica: “Há pesquisas internacionais que mostram que quem está a pé ou de bicicleta tem muito mais propensão a consumir no comércio de rua do que quem está em um carro, na moto ou no transporte público. Isso faz com que o dinheiro chegue na economia dos bairros”, diz o cicloativista.

Por isso mesmo que o projeto de sistema cicloviário deve ser continuado, não só por conta da mobilidade, mas também por seu impacto social.

São medidas que promovem equidade, reduzem desigualdades e fazem com que a cidade seja menos segregada.

A boa notícia é que o recado dos ciclistas foi dado. E de alguma maneira ouvido por Doria. 

Três dias após o protesto, ele convidou a turma do pedal para um passeio pela avenida Faria Lima e chegou a assinalar que era favorável às ciclovias. 

Os ciclistas, por sua vez, se comprometeram a levar informações e estudos para desconstruir o senso comum que o eleito tem sobre o sistema — sem dúvida algo positivo e que pode servir de exemplo para outras áreas de interesse da cidade.