Por que os debates no YouTube são estúpidos e perigosos

Atualizado em 28 de setembro de 2025 às 22:07

Nos últimos anos, os debates performáticos se tornaram um dos principais formatos de entretenimento do YouTube. Canais como o Jubilee Media, nos Estados Unidos, transformaram divergências políticas e sociais em espetáculos de consumo rápido.

Os títulos são chamativos: “Terra-planistas contra cientistas”, “Um progressista contra 20 conservadores”. O falecido Charlie Kirk, ativista de extrema-direita, encarou “25 estudantes woke” no Jubilee.

Kirk era tido como “excelente” debatedor. Montava sua tenda em universidades para destruir os estudantes que se dispusessem a discutir com ele. Morreu, virou mártir de Trump e agora é usado pelo governo americano para censurar e cancelar seus adversários.

No Brasil, canais como o Foco seguiram a mesma trilha, com atrações como “Um treinador versus 30 gordos” e “Um cristão versus 25 ateus”, “Um patrão versus 30 demitidos”. O resultado é sempre o mesmo: milhões de visualizações, clipes espalhados em todas as redes sociais, muito combustível para curtidas e compartilhamentos.

O debate público é parte essencial da democracia. Mas o que temos não é um exercício de diálogo nem uma busca pela verdade, mas pugilismo verbal, uma encenação em que os argumentos são socos, e as palavras, munição para humilhar o adversário.

É o absolutismo da liberdade de expressão.

Platão dizia que debates aproximam-se mais da sofística — a arte de vencer a qualquer custo — que da filosofia. Os sofistas, na Grécia Antiga, eram mestres da retórica, especialistas em dobrar multidões com truques e frases de efeito, mesmo que isso significasse abandonar a verdade. No digital, a lógica é a mesma. Não se busca esclarecimento ou síntese, mas apenas o triunfo aparente diante das câmeras.

Nunca há vencedores reais. O que há são torcidas organizadas. Cada lado assiste para confirmar aquilo em que já acredita, e, ao final, todos saem carregados em triunfo pelo seu próprio público. Não importa se os argumentos são frágeis, distorcidos ou falsos. Importa a sensação de vitória. O conservador sai com o peito estufado porque “destruiu a lacração”. O progressista, igualmente inflado, porque “colocou o reacionário no lugar dele”.

Ambos são aplaudidos, celebrados e transformados em clipes que circulam como troféus digitais. Quem assiste não aprende; apenas reforça suas convicções. Quem participa não se dispõe a ouvir; apenas grita para a plateia. O formato é viciante porque se alimenta de raiva, medo e vaidade — emoções que engajam muito mais do que escuta, paciência e reflexão.

O resultado é apenas a caricatura de um diálogo. Não se trata de compreender a fé, a ciência, a saúde ou a política. Todos saem derrotados — menos as plataformas que lucram com o engajamento e o algoritmo.

Se o debate fosse dialético, poderíamos avançar em direção à verdade, ao entendimento, à síntese de ideias. Mas na forma erística — em que qualquer truque vale para humilhar o outro — o que temos é apenas vaidade inflada.

Esses debates deixam o público mais estúpido, não mais esclarecido. Não se trata de aprender, mas de ver o adversário sangrar. É uma luta de gladiadores, em que todos se matam — depois de assassinar a inteligência.

O verdadeiro ganhador é apenas um: o velho e bom Google. Sem precisar dizer uma palavra, apenas faturando com o show.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.