Por que os lulistas consideram que a caravana do Sul foi um sucesso e não poderia jamais ser suspensa. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de março de 2018 às 23:06
Na chegada a Quedas do Iguaçu, a recepção carinhosa de acampados do MST, na visão de quem estava no ônibus

A caravana do ex-presidente Lula deixou São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, por volta das 10h30, mas, à altura de Marmeleiro, já no Estado do Paraná, alterou a rota. Relatos de quem seguia à frente davam conta de que alguns manifestantes —cerca de 100 — tinham interditado a via, com a ameaça de queimar pneus na pista.

A caravana ocupou o estacionamento. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, que é do Estado do Paraná, falava ao telefone, enquanto a equipe de segurança discutia alternativas.

Quinze minutos depois, o ônibus alterou o trajeto, para chegar a Marmeleiro por outra rota. Uma viatura da PM do Paraná conduzia o comboio.

O problema nessa caravana, no entanto, é a constatação de que as forças de segurança não têm agido para defender quem quer exercer o direito legítimo de manifestação. Em alguns momentos, parece até que os policiais auxiliam quem tem agredido não apenas com ovos, mas também com pedra.

Num clima assim, é razoável suspeitar que os próprios policiais passem informações para quem está protestado com métodos violentos.

Na saída de São Miguel do Oeste, em entrevista coletiva, a senadora Gleisi Hoffmann respondeu a uma pergunta sobre o corpo mole dos policiais. “Já estamos tomando as providências, estamos fazendo as denúncias, inclusive junto às autoridades. Está sendo encaminhado. O importante agora é seguir em frente”, afirmou.

Enquanto a caravana se dirigia para cidade, lá já estava o advogado Samuel Gomes, que trabalha com o senador Roberto Requião, do Paraná. Ele foi até um trecho onde os manifestantes ameaçavam fazer bloqueio, em Marmeleiro, no caminho de Francisco Beltrão. Até estavam queimando pneus. Fez fotos e vídeos, e se dirigiu para o Fórum da cidade.

“Vi que os policiais sequer solicitaram para os manifestantes, que eram uma merreca, poucos, não queimassem o pneu na estrada. Uma vergonha. Estes policiais estão atendendo a um comando que não é o da lei. É alguém que está atentando contra a democracia. São coronéis da política, que acham que em Francisco Beltrão e Marmeleiro não existe lei, eles mandam”, afirmou.

O juiz Márcio de Lima o recebeu e, depois de uma conversa informal, concordou em ir, pessoalmente, para o local da manifestação. “Se eu não resolver, pacificamente, o senhor entra com a medida apropriada, e eu concederei”, disse o juiz, segundo relato do advogado ao DCM.

O fato é que, meia hora depois, a rodovia já estava liberada. Mas, nesse momento, Lula já estava discursando. É que ele foi para uma segunda rota alternativa, e os manifestantes não perceberam.

A caravana tem sido marcada não só pelas manifestações políticas, mas pela estratégia se segurança e avanço. Parece até uma guerra, mas, neste confronto, só um lado está armado, o lado dos ruralistas.

Lula seguiu de avião para Foz do Iguaçu, onde participaria de um encontro sobre a tríplice fronteira, enquanto a caravana foi de ônibus até Quedas do Iguaçu. No caminho da cidade, uma recepção calorosa do acampamento Dom Tomás Balduíno, do MST.

Os acampados seguravam bandeiras e uma faixa chamava a atenção: “Quedas do Iguaçu não é Bagé”.

Outra faixa informava: “Bem-vindo, Lula’.

Militantes do MST ensinam aos ruralistas como é ser civilizado

Lula terá contato com esses manifestantes nesta terça-feira, quando tem ato programado na praça central da cidade, em defesa da reforma agrária.

A região de Quedas do Iguaçu é marcada por um conflito agrário que já resultou na morte de dois agricultores, lembrados como mártires da luta por reforma agrária. Rodolfo Lucena, do site Tutaméia, esteve no acampamento Dom Tomás Balduíno, no ano passado, e publicou uma reportagem sobre como viviam os acampados:

A escola é uma espécie de cartão de visitas do acampamento, que hoje reúne cerca de setecentas famílias de trabalhadores rurais sem terra. Foi a primeira coisa a ser construída depois que, na madrugada do dia 6 de julho de 2015, cerca de 1.500 famílias, munidas de foices, facões e bandeiras vermelhas, ocuparam parte do latifúndio da madeireira Araupel.

Mais precisamente: do latifúndio ocupado pela Araupel, pois a Justiça já determinou, com base em farta documentação histórica, que as terras são do Estado e que seu uso pela empresa é, no mínimo, irregular.

Essa foi uma das bases, aliás, da concessão de terras para assentamentos da reforma agrária na região. Desde o final do século passado, em ondas sucessivas depois de ocupações realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o território grilado vem sendo fatiado em benefício da produção familiar.

A presença de Lula chama a atenção para a necessidade de se encontrar solução para o conflito. E a Carvana tem cumprido esse propósito: mostrar um Brasil que está fora do radar na velha imprensa.

Pouca gente sabe, por exemplo, que há pouco tempo, a Polícia Civil na cidade, em razão do conflito, tentou enquadrar o MST como organização criminosa, tese que não prevaleceu.

Nesta terça-feira, Lula também estará em Laranjeiras do Sul, em uma confraternização com as famílias do Assentamento 8 de Junho, que correspondem a 70% da população de 14 mil habitantes.

No assentamento, vê-se o resultado da reforma agrária: a elevação da renda média da cidade, que garante desenvolvimento. Um lado também pouco conhecido do MST: a contribuição para a riqueza das cidades.

Lula também tem programada visita aos laboratórios de agronomia do campus da Universidade Federal da Fronteira-Sul, instalado em 2009, quando ele era presidente. A caravana entre o Brasil que já deu certo e o que precisa de uma sacudida.

A visita tem o caráter de revelar esses cenários. Só por essa razão já se justificaria, na opinião da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, considerar o êxito da caravana.

Mas tem mais, segundo ela: Lula tem sido recebido de maneira carinhosa por milhares de pessoas em todas as cidade.

“Nunca cogitamos suspender ou alterar a caravana”, disse, para rebater as notícias de que se estudava o cancelamento. “Os protestos são feitos por pessoas que, comparadas as que apoiam Lula, formam um grupo muito pequeno”, acrescentou.

Mas reconheceu que são barulhentos e violentos, um caso que deveria ser tratado pela Polícia.

E parece que, depois da cobrança, os policiais do Paraná passaram a agir dentro da lei, deixando as cenas lamentáveis vistas em Santa Catarina e também no Rio Grande do Sul, as de um clima de confraternização entre os policiais e os agressores.

Em Foz do Iguaçu, hoje à tarde, os agressores furaram o bloqueio de 300 metros feito pela PM para impedir que se aproximassem dos apoiadores de Lula. Alguns estavam com ovos na mão, outros, armados de pedras.

A tropa de choque usou bomba de gás lacrimogênio e, rapidamente, afastou os agressores. Como se viu, não foi difícil.

Isso poderia ter sido feito nos outros dois Estados do sul, mas lá as forças de segurança decidiram deixar o campo da legalidade, para permitir a violência contra quem estava apenas exercendo o direito de manifestação.

Apesar disso, a caravana não recuou e agora chega a seus últimos dias com os dirigentes convictos de que, na raça, abriu caminho para ajudar a recuperar a democracia no Brasil.