Por Antonio Lavareda
A ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) promoveu, na primeira semana de maio, o workshop gratuito para jornalistas sobre o tema Pesquisa Eleitoral: o fim das dúvidas. Abaixo, segue a minha fala no evento e aqui publicada na íntegra:
George Gallup, um ícone da história das pesquisas de opinião, falando no encontro de 1949 da WAPOR – Associação Internacional de Pesquisa de Opinião Pública- declarou: “Minha esperança é que da próxima vez que as pesquisas estiverem do lado errado numa eleição apertada haverá menos gritaria e menos xingamentos”.
Esperança frustrada, como ele próprio verificaria, e todos constatamos 73 anos depois daquele speech.
Ora, por que será que as ditas “pesquisas eleitorais” – os surveys, as pesquisas por amostragem, – estão já há algum tempo sob ataque no Brasil e no mundo?
Lembremos que um levantamento em 133 países, em 2017, mostrou que em apenas 1/3 deles não havia algum tipo de vedação (blackout) para sua divulgação antes das eleições.
A resposta é simples: porque os seus números são vistos como dados preditivos do que ocorreria “se a eleição fosse hoje”, durante as campanhas, e pior, às vésperas das eleições são recepcionados pelo público como prognósticos, como uma espécie de antecipação dos resultados das urnas.
Porém, quando elas são abertas, e ocorrem discrepâncias significativas, sobretudo os políticos derrotados, naturalmente ressentidos, dirigem às mesmas críticas acerbas amplamente acolhidas pela imprensa. Foi o que ocorreu recentemente nas nossas municipais de 2020 (basta se checar no Google a expressão “2020, institutos erraram”).
Por isso a importância de ressaltar que os resultados de pesquisas são em essência diferentes de prognósticos. As primeiras concernem a opiniões, a preferências por candidatos, ou seja, a ATITUDES; ao passo que prognósticos dizem respeito a antecipações sobre as probabilidades dos diversos candidatos ganharem a eleição, e com que desempenho nas urnas, ou seja, versam sobre o COMPORTAMENTO dos eleitores. Embora relacionados, atitudes não se confundem com comportamentos.
Os modelos de Prognósticos efetivos além de não repousarem em pesquisas de um único instituto – recorrendo a agregadores, alguns deles com simples médias das pesquisas, outros mais sofisticados lhes atribuindo pesos diferentes, segundo avaliação do momento de cada uma e do desempenho passado dos respectivos institutos. Os mais complexos incorporam outras variáveis, extraídas sobretudo da dimensão econômica – como desemprego, inflação, crescimento- nos algoritmos com que simulam seus resultados.
Prognósticos é o que fazem o FiveThirtyEight ou a The Economist, ou o Político. E começa a ser feito no Brasil. Não são a praia dos institutos de medição de opinião.
E há até modelos de prognósticos exitosos (Lichtman) que sequer utilizam dados, quaisquer dados, provenientes de pesquisas de intenção de voto.
A explicação da eventual distância entre as estimativas de intenção de voto dos institutos mesmo às vésperas da eleição e as votações registradas – requer considerarmos vários fatores. Vejamos quais são eles.
a) Um fator, estatístico, está relacionado a desvios e vieses amostrais.
Os expositores que me precederam abordaram muito bem esse tópico. Amostras não adequadamente representativas da população. Há 12 anos não temos um censo. As mudanças de domicílio e alterações em toda a estrutura social se acentuaram na pandemia. De outro lado, muitas das pesquisas divulgadas não registram o recall da eleição passada. Como saber se, mesmo quando obedecendo as cotas demográficas, as amostras não estão política e ideologicamente enviesadas? Isso é muito mais importante que um segundo fator.
b) que são as “margens de erro”.
Aliás, no Brasil, gerou-se uma jaboticaba. É verdade que todas as pesquisas registram as respectivas margens de erro. Embora todas elas incluam atualmente uma etapa com cotas, o que segundo alguns especialistas inviabiliza a pertinência dessas margens de erro que foram calculadas originalmente para amostragens inteiramente aleatórias, onde cada indivíduo da população tinha equiprobabilidade de ser sorteado.
Mas somente no Brasil, prestemos atenção, a margem de erro foi promovida a personagem das campanhas. Nas TVs são apresentados três números relativos a cada candidato. Se fulano tem 20% pode ter até 22% ou até 18%. Se beltrano tem 2% por exemplo ele pode ter 4% e pode não ter absolutamente nada. Pior, se fulano antes marcava 19% e agora marca 20%, pode ter na verdade avançado até 22% ou pode ter recuado para 18%. E assim se multiplicam os “empates na margem de erro”. É necessário mudar isso. Confunde o espectador médio, confunde os eleitores. Há outros fatores bem mais significativos.
c) A alienação eleitoral (branco/ nulos/ abstenções) é importantíssima.
Em qualquer sociedade é difícil estimá-la com precisão. O elevado comparecimento na última presidencial americana surpreendeu os analistas. Em Portugal também. Em direção oposta, na França, poucos dias atrás a abstenção foi recorde. Em países de voto obrigatório, extrair isso das pesquisas é ainda mais difícil. Porque se trata de um comportamento que além de socialmente reprovável é taxativamente ilegal. Um exemplo: na última pesquisa do Ipespe a alienação potencial – tomando-se branco e nulos (7%)e até somando-se os indecisos (2%) chegou a 9%. No DataFolha, 8% (6% de B/N e 2% de Não Sabe).
Pois bem, qual a chance da alienação este ano ser de 8% ou 9%? Nenhuma. Então, se essa pesquisa fosse a da véspera da eleição, qual a chance da votação que ela sugere de fato vir a ocorrer, considerando-se o eleitorado de 148,300 M.
Lula com 45% no Ipespe ou 43% no DataFolha, sobre o total de eleitores, significaria em números absolutos uma estimativa de 66,735 M de votos, segundo o primeiro, ou de 63.769 milhões conforme o segundo instituto. Mas não terá, nem ele, nem Bolsonaro ou qualquer outro. Por quê?
Pouco mais que 27,3% foi a alienação em 2018; 27,2%, em 2104.
40 milhões e 256 mil eleitores não votaram em ninguém em 2018, no primeiro turno. 42 milhões 717 mil não o fizeram no segundo.
Nesse ano, no Brasil, não há motivos para supor que a alienação será muito diferente. E pode até ser maior – em 2020 nas municipais foi de 31%. Ou seja, pensando-se apenas nos números das últimas eleições presidenciais, serão no mínimo cerca de 18 ou 19 pontos percentuais acima do que se apresenta “declarado” hoje. Pontos que sairão dos percentuais de intenção de voto atualmente consignados aos candidatos na questão estimulada. Intenções de voto que não se traduzirão em comportamento. Estou falando de cerca de outros 27 milhões de eleitores ( além dos declarados) que indicaram uma preferência após serem demandados pelos entrevistadores. Que não virá a ser efetivada.
Então, considerar devidamente a alienação é fundamental para qualquer prognóstico. Pensar que ela é distribuída simetricamente por todos os contingentes de eleitores dos vários postulantes é incorreto. Aqui, ou em qualquer outro lugar, isso não se dá dessa forma. Basta verificar os dados. Quase sempre a alienação é maior nos contingentes de menor escolaridade e renda.
d) Outro fator, mais complexo, é o voto estratégico
Há muito se sabe que nem sempre os eleitores terminam votando no seu candidato/a ou partido preferido. Uma porção significativa deles utiliza seu voto para prevenir um resultado específico, quando sua escolha original não tem chances de ganhar e eles preferem evitar a vitória indesejável de um outro candidato. Para esses eleitores, não é confortável “desperdiçar” o seu voto com candidatos sabidamente sem chances. São diferentes do que a literatura chama de “eleitores sinceros” que registram nas urnas sua preferência sem levar em conta a chance de êxito das mesmas.
Em sistemas pluripartidários muitos eleitores sufragam candidatos que embora não sejam seus preferidos têm mais condições de derrotar o partido ou postulante mais rejeitado por eles. Os incentivos para isso diferem segundo os sistemas eleitorais- majoritário, proporcional ou misto.
Qual o tamanho dessa fatia de eleitores?
Estudos têm mostrado que o voto estratégico já alcançou em algum momento 5% do Reino Unido, 6% dos canadenses, perto de 7% dos eleitores portugueses, 9% na Alemanha, também 9%dos eleitores Belgas, entre outros. É plausível supormos que quanto mais enraizadas as preferências partidárias, menor espaço haja para o voto estratégico. No Brasil, onde só um partido alcança os dois dígitos de identificação partidária, segundo dados de pesquisa recente (FSB/Abril) 39% dos eleitores admitiram a hipótese de votar estrategicamente nessa eleição presidencial dependendo da percepção que tenham do desempenho dos candidatos.
Mesmo em contextos de forte polarização esse comportamento tem lugar. No Brasil, na disputa até agora mais renhida da Nova República, em 2006, quando os dois líderes juntos somaram mais de 90% dos votos válidos, foi avaliado que 4,3% dos eleitores recorreram ao que Rennó chamou de voto estratégico punitivo. Explicação apontada para a ocorrência do segundo turno. Lula ficou abaixo 1,4 pontos percentuais do necessário para a vitória já no primeiro round.
Qual a melhor informação, o padrão ouro, para o eleitor estratégico? Aquela proveniente das pesquisas, disponibilizadas nos meios de comunicação e agora também nas redes sociais. Ou seja, as pesquisas são usadas por esse eleitor exatamente para alterar o que ele mesmo declarou nas pesquisas!
O voto estratégico se faz presente até no segundo turno. Ele foi visível dois anos atrás, nas capitais onde a direita não teve candidatos próprios na segunda rodada, a exemplo do Recife, de Porto Alegre, e de São Paulo. Seu eleitorado, votando contra os postulantes da esquerda mudou o resultado das eleições de prefeito literalmente da véspera para o dia da votação. Tome-se o caso paradigmático do Recife. Às vésperas da eleição pesquisa do IPESPE, divulgada na manhã do sábado véspera da votação, apontava 50% das intenções de voto válido para ambos os candidatos; à noite, DataFolha e também o IBOPE apresentaram da mesma forma 50% para ambos os candidatos. Apuradas as urnas, o candidato de centro esquerda, João Campos, do PSB registrou 56% e a candidata do PT, Marília Arraes, 44 %. Certamente nada a ver com margens de erro dos levantamentos. Muito menos com as diferenças de metodologia.
e) Por fim, há ainda o “voto randômico”, o “band wagon” ( voto no provável vitorioso) o “under dog” (solidário com os lanternas das pesquisas).
Há um forte debate sobre a utilidade para a democracia do voto compulsório. Não é hora nem lugar de repetí-lo. Contudo, entre os efeitos negativos arrolados está o de incentivar comportamentos estranhos a preferências político ideológicas, ou suportadas por qualquer critério minimamente racional. 10% dos eleitores brasileiros já admitiram votar aleatoriamente.
Quaisquer estímulos servindo para definir o voto daqueles que , “desengajados”, são compelidos a votar. Votar em quem está na frente, votar em quem não tem chances, ou no candidato de quem se viu uma propaganda antes de entrar na cabine, são alguns “critérios” na aleatoriedade.
Tudo que relatei aqui resumidamente recomenda um cuidado maior com relação ao conteúdo das análises dos resultados das pesquisas de intenção de voto. E até do formato de apresentação das mesmas.
E sobretudo na reta final das campanhas seria adequado os veículos ressaltarem para o seu público que os números das mesmas não equivalem a prognósticos sobre o que ocorrerá nas urnas. Que afora o percentual daqueles que declararam que ainda podem mudar seu voto, a taxa de abstenção também é um fator capaz de alterar os resultados uma vez que sendo o voto obrigatório muitos eleitores se constrangem em dizer que não irão votar. Enfim, que o jogo só terminará quando as urnas falarem.
Por último, e não exatamente no coração do tema, mas relacionado a ele, quero aproveitar a oportunidade para abordar o que me parece é e será um problema especialmente grave nessa eleição. Que são as Pesquisas eleitorais como uma categoria especial de Fake news.
Esse ano já vimos vários levantamentos que podem ser classificados dessa forma, e que são apresentados e circulam sem contestação. E é muito provável, que tenhamos problemas com pesquisas desse tipo até no dia das eleições.
Pesquisas pretensamente de boca de urna que no meio da tarde do domingo do pleito apresentem resultados que à noite não sejam confirmados pela apuração oficial.
Avancemos na conjectura, digamos que um candidato ganhe a eleição no primeiro turno, segundo a apuração do TSE, mas a tal boca de urna, de uma duas ou três pesquisas desse tipo, legitimadas pela exposição regular de seus dados durante a campanha, embora discrepantes da média das demais, tenha assegurado no fim da tarde a ocorrência do segundo turno.
As duas vezes que FHC ganhou, únicas na história, foi por margem estreita. Em torno de 53%. O percentual de Dilma no segundo turno de 2014, 51,7% foi alvo da suspeição de Aécio e seus aliados.
E se tal candidato porventura vitorioso, no primeiro ou no segundo turno, ganhe por uma margem ainda menor? Dirão os otimistas mais panglossianos: não há com que nos preocuparmos, porque 82% dos brasileiros confiam nas urnas eletrônicas, segundo o DataFolha. OK. Mas vejamos os dados da pesquisa com mais cuidado. Desses 82% , 47% confiam totalmente, mas 35% declararam confiar apenas “um pouco”. Mesmo deixando-os de lado, será que apenas os 17% que não confiam nada não são pelo seu tamanho uma base suficiente capaz de, acreditando nas tais pesquisas, mobilizarem-se para protestos violentos? Com tudo que poderia ocorrer depois?
Já se foi o tempo em que os efeitos das pesquisas na sociedade se resumiam à formulação de David Shawn: os candidatos que apareciam na liderança eram beneficiados em 3 Ms – Mídia, Moral e Money. Os demais sendo prejudicados nas mesmas dimensões. Infelizmente, algumas delas hoje ameaçam ser uma forte vertente de Fake News, demandando um combate à altura. Porque ameaçam a higidez das eleições – delas para as quais não há “nenhum outro método para selecionar nossos governantes que produza melhores resultados” (Przeworski).
Da imprensa comprometida com a qualidade do nosso processo eleitoral, seria bem-vindo um papel mais amplo e ativo do que no passado, quando podia se contentar em divulgar as pesquisas que contratava. E simplesmente ignorar as demais. O que não estava nas suas páginas ou nas suas telas não existia.
Isso funcionava bem numa época em que a grande imprensa tinha condições de controlar a qualidade das informações que circulavam. Hoje, com a fragmentação das fontes, isso é francamente insuficiente. As pesquisas são muitas e circulam por muitos canais. Elas merecem ser observadas com a acuidade equivalente a das agências de checagem.
Seria muito útil se fosse ampliada a criação de Editorias de Pesquisa, específicas, com jornalistas especializados – e já há muitos nas redações – para não somente analisarem melhor os levantamentos que contratam, como para acompanhar as pesquisas que são registradas no TSE, verificando os questionários, a metodologia, as amostras e seus resultados. E identificando e apontando à sociedade institutos que produzam Pesquisas Fake, exibindo a suposta chancela da Justiça Eleitoral.
Pesquisas cujos números são estrategicamente espalhados nas redes sociais, e em outros órgãos de comunicação, deliberadamente desinformando a sociedade.
Fico por aqui, muito obrigado pela atenção.
Texto originalmente publicado no BLOG do autor
Participe de nosso grupo no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link