Publicado na DW.
O presidente Vladimir Putin tem esperanças de um diálogo. Um diálogo em vez de um ditado. Num fórum de economia em Moscou, no mês passado, ele reclamou: “É difícil dialogar com o atual governo americano. Praticamente não existe troca de ideias. Ele formula suas exigências e exige que elas sejam preenchidas. Mas isso não é um diálogo. É um ditado”, afirmou, visivelmente irritado, o chefe do Kremlin.
Putin não pode se queixar, no entanto, sobre falta de atenção em relação a ele e à sua política na campanha eleitoral americana. Ele chegou a criticar até mesmo ambos os candidatos por esse “fator russo” desnecessário, classificando-o de uma visão de curto prazo.
Há alguns dias, no renomado clube de discussão Valdai, em Sochi, no sul da Rússia, Putin indagou: “Alguém acredita seriamente que a Rússia pode influenciar a escolha do povo americano? Os EUA são, por acaso, uma república de bananas? Os EUA são uma potência.”
E essa potência é extremamente impopular na Rússia. Segundo o independente instituto de opinião pública Centro Levada, até 80% dos entrevistados disseram ver os EUA de forma “muito negativa”. Embora o tom da propaganda americana tenha se atenuado na TV, no geral, a política americana é apresentada como uma ameaça.
É interessante observar que, embora como Estado os EUA sejam vistos como um inimigo pelos russos, o mesmo não pode ser dito sobre o cidadão americano comum. Um deles, aparentemente, é bastante popular na Rússia: Donald Trump. De acordo com uma sondagem, 38% dos russos afirmaram que o republicano seria um presidente melhor para a Rússia. Somente 9% dos entrevistados votaram em Hillary Clinton.
Mudanças de discurso
Apesar de uma aberta simpatia inicial em relação a Moscou, o milionário americano mostra, atualmente, mudanças de humor ainda pouco claras frente à Rússia. Indagado durante um comício no estado de Nevada por que “Putin lhe agrada”, Trump respondeu não gostar nem ter ódio do chefe de Estado russo: “Talvez vamos ter boas relações. Talvez vamos ter relações terríveis. Mas talvez também algo como um meio-termo.”
E, em Washington, os republicanos continuam a voltar atrás verbalmente. Durante os debates na TV dos candidatos à vice-presidência, o vice de Trump, Mike Pence, falou de um “sistema corrupto” na Rússia e que Putin “ditava as suas condições ao país mais grandioso do planeta”. Pence invertia assim o “ditado em vez do diálogo” de Putin. Como exemplo, Pence mencionou a atuação da Rússia na Síria.
O próprio Trump chamou a operação militar de Moscou na Síria de violação do acordo, ou seja, palavras claras contra Putin. Se o líder do Kremlin não as escutar, a Rússia vai dar novamente um tiro no pé, como foi o caso tantas vezes na relação com os EUA, como afirmou o jornalista Serguei Strokan no jornal moscou Kommersant.
Antes de Obama, as esperanças russas recaíram sobre George W. Bush. Segundo o próprio Putin, ele o teria olhado profundamente nos olhos e “compreendido a sua alma”. Surgiu então uma amizade, que culminou na visita de Putin ao rancho privado de Bush, o que não impediu os americanos de atacarem o Iraque – contra a vontade dos russos.
E agora Trump. No 600° episódio dos Simpsons, Homer vai votar na eleição para presidente. No local de votação, ele se encontra com um desconhecido que se parece com o líder russo – sem camisa sobre um cavalo. O desconhecido votou no candidato republicano. No desenho animado, o prognóstico de “Putin”: 102% de votos para Trump. Será que tanta simpatia pelo magnata nova-iorquino é algo bom para a Rússia na vida real? Possivelmente, não.