Por que Rafael Braga se tornou um marco na luta por justiça igual para todos. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de agosto de 2017 às 1:49
Rafael

Na semana em que se toma conhecimento do vídeo que mostra uma desembargadora indo retirar o filho da cadeia, flagrado com 130 quilos de maconha e munição de armas pesadas, o catador de reciclados Rafael Braga terá um habeas corpus julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O escândalo do filho da desembargadora é no Mato Grosso do Sul, mas a comparação que se faz dos dois casos ganha sentido em razão da seletividade da Justiça, uma característica que parece marcar o Poder Judiciário brasileiro, independentemente do Estado.

Em 2013, no auge dos protestos, a polícia do Rio de Janeiro prendeu Rafael sob a acusação de produzir coquetel molotov. Ele carregava duas garrafas fechadas, uma de cloro, outra de desinfetante.

Não são produtos inflamáveis, mas, ainda assim, ele foi acusado de produzir artefatos explosivos. Não havia nenhuma prova contra ele – apenas o depoimento de policiais. Não era um militante, era catador de reciclados (latinhas principalmente).

Quem conversou com ele diz que não é (ou era) articulado politicamente. Era apenas um jovem tentando sobreviver das sobras da cidade.

Rafael contou que, naquela noite, em junho de 2013, pretendia levar para casa, na comunidade do Cruzeiro, o desinfetante e o cloro que encontrou na rua.

Mas foi parado pela polícia e acabou preso. Rafael ficou na cadeia. Julgado, pegou uma condenação de cinco anos.

Passou um tempo em regime fechado e passou ao semiaberto – trabalhava de dia como faxineiro de um escritório de advocacia e dormia na cadeia à noite, mas perdeu o benefício por se deixar fotografar em um muro com pichação crítica ao sistema prisional: “Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima p/baixo.”

Segundo seus advogados, por causa dessa foto, Rafael tomou um castigo de dez dias na solitária. Rafael deixou a prisão mais tarde e passou a usar tornozeleira eletrônica.

A polícia o encontrou de novo, na comunidade do Cruzeiro, e o acusou de portar 0,6 gramas de maconha, 9,6 gramas de cocaína e um rojão na mochila.

Foi preso, acusado de tráfico e associação para o tráfico. Ele negou que a droga fosse dele, uma testemunha disse que Rafael não tem envolvimento com o tráfico.

Mas a palavra dos policiais, apenas isso, a palavra dos policiais foi considerada pelo juiz prova suficiente para fundamentar a condenação por 11 anos.

“Não há nos autos qualquer motivo para se olvidar da palavra dos policiais, eis que agentes devidamente investidos pelo Estado, cuja credibilidade de seus depoimentos é reconhecida pela doutrina e jurisprudência”, escreveu o juiz Ricardo Coronha.

A defesa de Rafael, formada por advogados do Instituto dos Direitos Humanos, apresentou habeas corpus, para garantir a liberdade dele pelo menos até o julgamento em segunda instância.

O habeas corpus apresentado pela defesa de Rafael está na pauta da sessão desta terça-feira, 1º de agosto, na 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, os defensores de Rafael não devem encontrar a mesma facilidade que o advogado do filho da desembargadora, no Tribunal do Mato Grosso do Sul.

O Ministério Público do Estado se manifestou pela rejeição do habeas corpus e, consequentemente, a manutenção da prisão de Rafael:

“Isso porque, em que pesem as razões do impetrante, o paciente não padece do alegado constrangimento ilegal. Além de a sentença impugnada estar devidamente fundamentada, em perfeita consonância com o disposto no artigo 93, IX, da CF, nela não há qualquer referência à eventual alteração fática ou jurídica que pudesse vir a ensejar a revogação da prisão cautelar”, escreveu o procurador de justiça Júlio Roberto Costa da Silva.

Como cidadão, em sua rede social, Júlio Roberto já demonstrou seu apreço pelos servidores públicos que usam farda.

O procurador compartilhou banners do Exército e da Marinha e, durante os protestos de 2016, quando Dilma Rousseff ainda não havia sido cassada, postou no Facebook  um vídeo do Movimento contra a Corrupção – MCC, que mostra PMs de São Paulo batendo continência na Avenida Paulista para manifestantes com camisa amarela da Seleção Brasileira.

Também compartilhou mensagens da Associação dos Juízes Federais de apoio a Sérgio Moro.

Rafael, preto e pobre, não pertence à classe de homens como o filho da desembargadora. Nem é considerado de “carreira notável” ou “chefe de família”, no sentido usado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello para livrar Aécio Neves do risco de prisão e colocá-lo de volta no Senado.

Rafael é da comunidade do Cruzeiro e vive de sobras.