Por que Roger Ebert foi o maior crítico de cinema

Atualizado em 4 de abril de 2013 às 19:57

Sem amiguinhos entre cineastas e atores, sem ser desnecessariamente maldoso, pop sem ser simplório.

Roger Ebert

Uma vez perguntaram a Roger Ebert qual filme ele achava que estaria passando sem parar no céu e que comida estaria sendo servida de graça. “Cidadão Kane e sorvete de baunilha da Haagen-Dasz”, respondeu.

Ebert morreu aos 70 anos de câncer. Era o maior crítico de cinema de sua geração, o único a ganhar o Prêmio Pulitzer por suas resenhas no Chicago Sun-Times, onde trabalhou por 46 anos. Suas colunas eram publicadas em mais de 200 jornais. Foi autor de quinze livros. Em 2005, ganhou uma estrela na Calçada da Fama, em Hollywood.

Ebert não tinha educação formal em artes cinematográficas. Pensava bem e escrevia bem, o que é suficiente, e tinha uma visão humanizada, e não técnica, da coisa. Fazia questão de ser pop, sem se rebaixar à idiotia. Não tinha amiguinhos entre cineastas e atores, algo tão comum no Brasil. Nem era desnecessariamente vil. (Pauline Kael, da revista New Yorker, sempre foi a queridinha de cinéfilos cabeça).

Ficou famoso nos anos 80 com um programa de TV que dividia com o colega, rival e amigo Gene Siskel. A marca registrada da dupla – os polegares para cima ou para baixo –, impressa nas capas dos DVDs, era um ótimo guia para pegar filmes nas locadoras (no tempo em que as locadoras existiam, lá por 1914).

Disse que via 500 filmes por ano e escrevia sobre a metade. Sua definição sobre o que separava o joio do trigo era simples: o bom deveria parecer novo a cada vez que você o assistisse. “Sua cabeça pode ficar confusa, mas suas emoções nunca mentem”, disse. “Não é o assunto que importa, mas como o assunto é tratado”.

Sabia ser generoso, como quando escreveu sobre A Vida de Pi (“uma realização milagrosa em matéria de contar uma história e um marco de maestria visual”), mas, tal qual Mae West, era melhor quando era mau. “Nenhum filme bom é longo demais e nenhum filme ruim é curto o suficiente”. Bateu em Hollywood e em como a indústria passou a apostar na violência em comédias adolescentes vulgares. Detestava celebridades (“inúteis”). Detestava o lobby pró-armas. Abraçou a internet, criando um site excelente (em que incorporou os alertas de spoilers em seus textos).

"Vejo vocês no cinema"
“Vejo vocês no cinema”

O câncer apareceu em 2002. Se submeteu a várias cirurgias. Teve de extrair o maxilar inferior por causa de tumores na tiroide, nas glândulas salivares e no queixo. Não podia mais comer, beber ou falar e passou a se alimentar através de uma sonda. O efeito foi que sua produção aumentou, não só na área do cinema: escreveu sobre comida, política, Londres (sua cidade favorita), sua doença e sua morte. “Eu sei que ela está vindo, e eu não temo porque acredito que não há nada do outro lado para temer”, escreveu num ensaio para a Salon.

Desprezava listas (“para incluir um título eu tenho de tirar outro”), mas fez a sua dos melhores longas de todos os tempos para a revista Sight & Sound:

Aguirre, Cólera dos Deuses (Herzog)
Apocalypse Now (Coppola)
Cidadão Kane (Welles)
La Dolce Vita (Fellini)
O General (Keaton)
Touro Indomável (Scorsese)
2001: Uma Odisseia no Espaço (Kubrick)
Era Uma Vez em Tóquio (Ozu)
A Árvore da Vida (Malick)
Um Corpo Que Cai (Hitchcock)

Seu último post, datado de dois dias atrás, quando se internou pela última vez, é lindo. Ebert fala de seus planos para o futuro, de seu festival e do documentário sobre sua vida. “Então, nesse dia de reflexão, eu digo novamente: obrigado por me acompanhar nessa jornada. Vejo vocês no cinema”.