“Por que toquei cello num lugar bombardeado em Bagdá”

Atualizado em 1 de maio de 2015 às 11:31
Karim Wasfi em Bagdá
Karim Wasfi em Bagdá

Publicado na Al Jazeera.

 

 

Quando uma bomba explodiu em um bairro que lhe era familiar, Karim Wasfi foi até lá e tocou seu violoncelo.

Infelizmente bombas não são incomuns em Bagdá. Mas quando um carro cheio de explosivos detonou no movimentado distrito de Mansour esta semana, matando pelo menos 10 pessoas e ferindo 27, algo muito incomum aconteceu.

Enquanto os soldados e a polícia bloqueavam a área, Karim Wasfi, renomado maestro da Orquestra Sinfônica Nacional do Iraque, apareceu ali, tirou seu violoncelo do estojo, sentou-se em uma cadeira e começou a tocar. Imagens e clips de sua performance rapidamente tornaram-se um viral tanto nas mídias sociais do Iraque como em outros países.

Wasfi conversou com a Al Jazeera sobre sua decisão de se apresentar ali, sobre música e cultura serem tão importantes como comida e água, e as razões pelas quais o Oriente Médio deveria estar vivendo em paz.

Al Jazeera: Por que você foi a um campo bombardeado para tocar seu violoncelo? 

Karim Wasfi: Em parte porque acredito que civilidade e refinamento deveriam ser o estilo de vida e de consumo das pessoas. E, para chegar a isso, acredito que a arte em geral, e a música em particular, são ótimos canais para transmitir essa mensagem.

Foi um ato para tentar compensar, atingir um equilíbrio entre a feiúra, a insanidade e o grotesco, ações indecentes de terror, e equalizá-los, superá-los através de atos de beleza, criatividade e refinamento.

Al Jazeera: Então o ato de tocar o violoncelo foi oposto à ação de explodir uma bomba?

Wasfi:  Sim, basicamente criando vida. Não quero que essas ações se tornem uma inevitabilidade da situação no Iraque: a morte experienciada dia após dia.  Quero fazer o oposto: que a vida seja vivida dia a dia. Apesar de não vivermos a normalidade. Quando as coisas são normais, terei mais responsabilidades e obrigações.  Mas quando são insanas e anormais como está acontecendo, tenho a obrigação de inspirar as pessoas, compartilhando esperança, perseverança, dedicação e preservando o momento da vida.

Al Jazeera:  Como as pessoas reagiram quando você começou a tocar? 

Wasfi:  Amaram! Os soldados choraram. Eles se beijaram, aplaudiram, se sentiram vivos, humanos, apreciados e respeitados, o que não me surpreende.

Al Jazeera: O que disseram para você?

Wasfi:  “Deus te abençoe! Gostaríamos que nossos políticos fossem como você (risos). Você nos abraçou com sua arte e beleza”.  Reagiram de uma forma muito civilizada. Acendemos velas à noite e espalhamos flores pelo lugar. E toquei novamente. E eles compartilharam sua dedicação para apoiar atos de civilidade como esse.

Al Jazeera: Você se sente ameaçado por saber que alguns grupos armadas no Iraque são contra apresentações em público de certos tipos de música?

Wasfi:  O goveno não me ofereceu proteção alguma. Acredito ser uma ameaça para as mentes fechadas, pessoas que andam para trás, se houver alguma. Não me sinto intimidado. Não é apenas uma questão de desafiar o terror – é sobre dever e sobre elevar os padrões. Se as pessoas estão preocupadas o suficiente para não aceitar a música – diferentes gêneros de música, ou a clássica, com a que faço –, se isso é considerado demoníaco a seus ouvidos, se elas só conseguem reconhecer o bombástico, o estrondoso som das bombas, então posso imitar o som das bombas com meu violoncelo, ou através da orquestra, sem matar ninguém. A isso eles podem ouvir.

Al Jazeera: Algumas pessoas dizem que, em tempos de guerra, música e cultura são uma indulgência e que as pessoas precisam se concentrar nas necessidades básicas. 

Wasfi:  Considero uma afirmação absolutamente falsa. Para mim isso é lixo. A esta altura, música e cultura são tão necessárias como comida, oxigênio e água. Entendo o argumento por trás dos serviços básicos e primeiras necessidades.  Mas acredito que música e cultura são tão básicas como eletricidade e água. Talvez esteja sendo extremo como o outro lado.

Al Jazeera: Por que cultura e música são tão básicos como água e comida? 

Wasfi:  Porque refina e cultiva. Porque inspira as pessoas. Porque desenvolve melhor os cérebros. Porque te ajuda com matemática e física. Porque te ajuda com as belas artes e a pintura. Porque faz as crianças se comportarem. Porque envolve disciplina para torná-lo criativo, seja como um engenheiro, um físico ou um soldado. Porque tem um impacto positivo na psicologia humana. Porque você respira melhor. Porque você consegue pensar melhor e mais claramente. Porque você consegue encontrar mais talento dentro de você mesmo. E, sobretudo, porque é uma linguagem internacional de mútuo entendimento. É tudo!

Al Jazeera: Como se sente com o fato de seu ato ter se tornado um viral e conquistado tanta atenção? 

Wasfi: Fiquei feliz das pessoas terem uma reação positiva e do entendimento. Fiquei feliz em poder passar minha mensagem através da mídia social. E fiquei feliz em saber que os iraquianos seguem tanto assim as mídias sociais. Já faz bastante tempo que desejo que atos assim tornem-se uma iniciativa global contra a insanidade e o impacto causado pela instabilidade.

Al Jazeera: É assim que você vê essa violência? Como uma insanidade?

Wasfi: No momento, sim. Porque, especialmente nesta parte do mundo, as pessoas têm os recursos, a mão de obra, os bens, o tempo, a geografia, a atmosfera, o clima, o sol, a vitamina D… enfim, tudo. Eles têm razão para viver em paz.