Por que um mau militar como Bolsonaro chegou tão longe na política. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 20 de outubro de 2018 às 20:32
Geisel, em depoimento para a FGV: ele é um mau militar

Em depoimento para um projeto da Fundação Getúlio Vargas, organizado por Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, o general Ernesto Geisel, que governou o Brasil durante a ditadura militar, foi questionado sobre a relação dos militares com a política depois da redemocratização.

Disse ele:

“Os militares devem ficar fora da política partidária.”

Em seguida, explica qual é, na visão dele, o papel das forças armas — “devem estar sempre preparadas para poder fazer a guerra” — e conta que civis, em qualquer tempo, costumam bater na porta de quartel em busca de interferência na política.

A entrevista foi feita em 1993 e ele dizia que, naquele momento, já tinha gente dizendo: “Temos que dar um golpe! Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!”

E aí ele cita Bolsonaro, que foi capitão do Exército e tinha sido eleito deputado federal:

“E não é só Bolsonaro. Tem muita gente no meio civil que está pensando assim. Quantos vem falar comigo, me amolar com esse negócio: ‘Quando é que o Exército vai dar o golpe? O senhor tem que agir, é preciso voltar!’ São as vivandeiras!”

Vivandeiras eram as mulheres que acompanhavam o Exército na Guerra do Paraguai— algumas apenas lavavam roupas, outras faziam mais do que isso, e gostavam de estar sempre por perto.

São as novas vivandeiras que promovem o nome de Bolsonaro, e é isso que explica por que ele cresceu na pesquisa mesmo sem fazer campanha.

Para seus eleitores, o mais importante não é o que diz, mas o que representa.

Bolsonaro é o oposto da democracia, um regime político que permitiu, por exemplo, a ascensão de Lula e o maior projeto de inclusão social.

Na entrevista a Maria Celina e Celso Castro, Geisel acreditava que o desenvolvimento do Brasil faria diminuir essa relação entre política e militares.

E citou Bolsonaro como exemplo de que o Brasil seguiria por outro caminho:

“Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”.

Os eleitores de Bolsonaro são o lado extremo do eleitorado que tem medo da democracia porque, em última análise, democracia tem o poder de mudar a face do Brasil.

Porque democracia inclui os pobres, gente que a elite brasileira, convenientemente, sempre tentou manter fora do jogo democrático, como lembra o sociólogo Jessé Souza —  o que faz da democracia brasileira, salvo raros períodos, uma farsa.

Os bolsominions, é preciso ressaltar, não são elite, se concentram em setores expressivos da classe média, os mesmos que idolatram Deltan Dallagnol e Sergio Moro.

Não são ricos, mas agem como se fossem, daí porque podem ser considerados como a tropa de choque da elite. Ou seus capatazes.

Vomitam conceitos como meritocracia sem se darem conta de que, na estrutura de poder do Brasil, sempre tiveram mais oportunidades que as classes populares.

A existência de pobres é que lhes dá alguma identidade, como se a existência deles justificasse o pouco que têm.

“Tenho porque fiz por merecer”, devem pensar.

São uma farsa, como farsa é tudo que defendem, inclusive a de que Bolsonaro é o político que vai dar jeito no Brasil.

Sua candidatura cresceu no vácuo de poder que a elite gerou com o movimento pelo impeachment de Dilma, em 2016.

Sem candidato próprio viável, essa mesma elite agora abraça o candidato que defende, abertamente, a tortura, faz comentários racistas, misóginos e homofóbicos.

Diz que a democracia não resolve o problema no Brasil.

Segundo ele, é necessário um golpe.

E, acima disso tudo, Bolsonaro é mentiroso, porque desafia os brasileiros a mostrar os vídeos ou áudios que revelem suas posições medievais.

Há dezenas de vídeos com essas declarações postados pela internet, inclusive um de publicações de credibilidade inquestionável, como o El País.

A vitória de Bolsonaro seria um sintoma de grave enfermidade da sociedade brasileira — não toda, mas de setores expressivos — e é por isso, a meu ver, improvável.

Arrisco fazer essa afirmação a poucas horas antes do fechamento das urnas; eleger Bolsonaro equivale a um suicídio político, e não acredito que a sociedade, majoritariamente, venha a tomar essa decisão.