Por que uma escultura do rei sendo penetrado levou à suspensão de uma exposição na Espanha

Atualizado em 21 de março de 2015 às 17:28
escultura
A escultura “Não Vestida para Conquistar, Haute Couture 04 Transport”: à esquerda, Juan Carlos

Publicado na BBC Brasil.

 

Uma escultura que já foi exibida em São Paulo gerou uma polêmica que levou à suspensão de uma mostra coletiva de artistas no Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), em meio a acusações de censura.

A escultura chamada Não Vestida para Conquistar, Haute Couture 04 Transport, da artista austríaca Inés Doujak, mostra um cachorro da raça pastor alemão que parece penetrar uma mulher que usa um capacete de minerador, uma alusão à sindicalista e feminista boliviana Domitila Barrios de Chúngura.

A mulher, por sua vez, penetra Juan Carlos I, que foi rei da Espanha até meados do ano passado, quando abdicou do trono. O ex-monarca, por sua vez, é mostrando vomitando flores sobre vários capacetes da Schutzstaffel, a SS nazista.

Esta obra é parte do projeto Loomshuttles / Warpaths (“Lançadeiras de Tear/Trilhas de Guerra”), uma parceria entre Doujak e o artista britânico John Barker, que foi exibido na 31ª Bienal de São Paulo, no ano passado.

A peça fazia parte da mostra “A Besta e o Soberano”, organizada pelo MACBA e a organização Württembergischer Kunstverein (WKV), de Stuttgart, na Alemanha. A exposição seria aberta nesta sexta-feira em Barcelona.

 

No entanto, esta representação do ex-monarca espanhol levou o diretor do MACBA, Bartomeu Marí, a pedir, na última hora, a retirada da escultura, por não a considerar “apropriada”.

Como os curadores da mostra não concordaram, a exposição toda foi suspensa no último minuto.

“A obra se inscreve na tradição da paródia, esculturas de carnaval e caricaturas iconoclastas. Não pretendia insultar uma pessoa privada, mas reformular criticamente uma representação coletiva do poder soberano”, disseram os curadores da mostra em um comunicado divulgado pela WKV e enviado à BBC Mundo.

“A retirada da peça de Doujak não apenas teria comprometido irreparavelmente todo o conceito da exposição, mas também questionado nossa visão de arte, a liberdade de expressão e o papel do museu na sociedade contemporânea.”

“Sob estas circunstâncias, o ato de cancelar as exposições é um ato de censura”, afirmam os curadores no documento.

‘Difícil entender’

O MACBA, por sua vez, divulgou um outro comunicado oficial lamentando não ter podido chegar a um acordo com os curadores que poderia ter permitido a abertura da exposição, “já que, no fim, o prejudicado é o nosso público e nossa permanente vocação de serviço”.

“É difícil entender e compartilhar algumas decisões. E também é difícil explicá-las com serenidade no turbilhão midiático que estamos vivendo. Estamos certos de que encontraremos o espaço e o momento para compartilhar o debate que, sem dúvida, é gerado depois de uma situação como esta”, informou o museu em sua página na web.

 

E o debate realmente já começou na mídia e nas redes sociais.

Nas redes, estão sendo discutidos os méritos da obra de Doujak e o papel da arte contemporânea. Também há debates sobre os riscos da censura e os limites da liberdade de expressão, assim como sobre a relação dos espanhóis e suas instituições públicas com a monarquia.

Esta não é a primeira vez que representações satíricas de um monarca do país geram ações denunciadas como de “censura”.

Na Espanha, a ideia de que a figura do rei simboliza a união do Estado está consagrada na Constituição de 1978, onde é estipulado que esta união é “inviolável”.

Desde então, muitos consideram que atacar o rei o é o mesmo que atacar o Estado.