Por que você tem de ver “A Substância”, o melhor filme de terror feminista da história

Atualizado em 17 de outubro de 2024 às 17:35
Sue (Margaret Qualley) e o quadro de Elisabeth Sparkle (Demi Moore) em “A Substância”

Se você estava à procura de assunto para conversar nas rodas de bar e reuniões familiares, o filme “A Substância” vai suprir seus desejos primários de resenhas de tensão e suspense, com doses massivas de escatologia. Há inúmeras cenas angustiantes e relatos de pessoas que deixaram a sala de cinema se sentindo mal e desconfortáveis com os momentos de forte impacto.

“A Substância” é estrelado pela impecável Demi Moore, talvez em seu melhor papel no cinema, com seus 61 anos muito bem explorados pela trama. Ela vive a plena curva descendente da maturidade física, sob a direção e roteiro brilhantes de Coralie Fargeat, que explora de forma excepcional o gênero “body horror”, utilizando cenas explícitas, grotescas e corporais para chocar os espectadores.

Moore discutiu sua entrega ao papel, em que se permitiu momentos de profunda interação e despojamento: “Tudo estava muito claro, o nível de vulnerabilidade e naturalidade que realmente eram necessários para contar a história”, afirmou a atriz sobre as cenas em que aparece completamente despida, durante uma coletiva de imprensa no evento de Cannes.

Ela acrescentou elogios à sua parceria com a jovem Margaret Qualley. “Foi uma experiência muito vulnerável. Acho que passamos por isso com muita sensibilidade, conversando sobre onde queríamos chegar e como iríamos abordar. Encontramos um terreno comum de confiança mútua”, disse Moore, ressaltando a colaboração entre os atores e a equipe.

Vivemos um momento de grande discussão nas redes sociais e na mídia sobre os limites da transição para a meia-idade e os fantasmas da menopausa, talvez o período mais longo de transformações na vida da mulher, afetando sua relação com o corpo e seu universo particular (família e profissão).

“A Substância” conta a história de Elisabeth Sparkle, uma atriz ganhadora do Oscar e estrela da calçada da fama, que já foi muito famosa e bem-sucedida. Aos 50 anos, vive das reminiscências do passado, apresentando um programa de ginástica, e recebe a notícia de que será substituída por uma atriz mais jovem. Essa situação amplifica a crise de identidade de Elisabeth. Mas tudo muda quando ela descobre a Substância, uma droga que promete torná-la “a melhor versão de si mesma”, mais jovem e mais bonita.

As cenas chocantes refletem bem a temática, reforçando os limites físicos, corporais e emocionais que as pessoas cruzam para alcançar um padrão de beleza. Existe um aspecto exemplar da luta pela eterna juventude, que revela tanto as facilidades quanto as tentativas de preservar o impossível e o ideal, mesmo que a violência e os impactos dessas decisões possam ser catastróficos.

No ótimo roteiro, premiado com a Palma de Ouro em Cannes 2024, é possível perceber referências a “O Retrato de Dorian Gray”, livro de Oscar Wilde, e “Gêmeos”, de David Cronenberg, entre tantas outras referências marcantes, incluindo “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, nas cenas do corredor da emissora. Outros destaques ficam por conta da excêntrica interpretação de um diretor de TV asqueroso, interpretado por Dennis Quaid, e da atuação segura e carismática da bela Margaret.

Logo em sua estreia no cinema, a diretora francesa Coralie Fargeat chamou a atenção com “Vingança” (2017), um filme brutal e subversivo do subgênero de terror “rape-revenge”, que a colocou entre os nomes mais promissores do gênero. Em “A Substância”, a diretora e roteirista cercou-se de uma ótima equipe, e a magia aconteceu; tudo foi previamente calculado. A direção de arte e de câmera estão em perfeita harmonia com a trilha sonora original de Raffertie, que é complementada por um design de som incrível. Realmente, o som e a visão impactam o espectador.

Em tempos de procedimentos estéticos infinitos, superexposição nas redes sociais, onde a comparação se tornou regra e o bom senso se perdeu, o tema é extremamente relevante. Sob o olhar de uma diretora, “A Substância” busca explorar a questão com uma perspectiva crítica, moderna e, aos poucos, surrealista. Um grito feminista em um mar de pastiches cinematográficos acomodados aos padrões impostos pela indústria e pela inteligência artificial. “A Substância” devolve ao cinema de grandes plateias a capacidade de reflexão e crítica ácida a uma sociedade deformada, superficial, plastificada e descartável.