Por que você tem que ir ao Louvre

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:21
A Coroação de Napoleão, por David, o jacobino
A Coroação de Napoleão, por David, o jacobino

Você pode ir ao Louvre por diversas razões. Em seu livro “Paris é uma Festa Móvel”, Hemingway conta que foi com Fitzgerald ao Louvre nos anos 1920 para que o grande autor de Gatsby pudesse checar, diante das estátuas masculinas da antiguidade, se suas medidas masculinas eram adequadas. Fitzgerald saiu tão confuso quanto entrou.

Você também pode ir ao Louvre porque se sentirá de alguma forma culpado se, estando em Paris, não prestar um tributo ainda que apressado à arte. Pode aproveitar, se estiver nesta situação, para tirar uma foto na entrada e mandá-la aos amigos. Preste atenção nos turistas que sobem em pequenas elevações de cimento em frente das pirâmides do Louvre. Repare que eles erguem os braços e fazem um movimento de pinça. Um bom fotógrafo – ou mesmo um mediano – fará com que você pareça estar segurando a pirâmide principal pelo topo.

Você, nestas visitas desinformadas, lembrará aquele personagem de Stendhal em “A Cartuxa de Parma” que viu a batalha de Waterloo com os próprios olhos sem entender do que se tratava. Fiz isso algumas vezes, e encontrei conterrâneos brasileiros na mesma situação – um clássico, aliás.

Até que finalmente decidi fazer uma visita ao Louvre planejada. Estudada. Livros, Google, experiências pessoais – juntei tudo isso, coloquei num liquidificador e extraí um suco lógico, racional que pode ser tomado antes de pegar a fila quase inevitável que vai dar na pirâmide invertida pela qual você entra no Louvre.

Compartilho aqui, a quem interessar possa.

Uma boa visita ao Louvre deve estar amparada em história. Você desfruta tanto mais de um lugar quando mais sabe dele. O Louvre, como o conhecemos, é obra dos revolucionários que derrubaram a monarquia em 1789. O Louvre começou a ser erguido no século XIII. Era, inicialmente, uma fortaleza, como a Torre de Londres. Ninguém sabe direito a origem da palavra “louvre”. Uma especulação aceita é que o “Lou” remeta a Louis, o nome de 18 reis franceses. Com o tempo, o Louvre passou a ser utilizado pelos reis, sobretudo para festas. Raras vezes foi usado como moradia real.

Poucos anos depois da Revolução, em 1793, os novos líderes decidiram que aquele era o lugar ideal para montar um museu – gratuito — que proporcionasse conhecimento artístico ao povo. Foi um ano cheio de novidades em Paris: no decorrer dele, por exemplo, foram guilhotinados Luís XVI e Maria Antonieta.

Já havia um número considerável de obras lá. A Mona Lisa, por exemplo, fora dada de presente no início dos anos 1500 por Leonardo da Vinci ao rei Francisco, em cuja corte fora trabalhar. Foi, por isso, um ato de extrema ignorância histórica e patriotismo tresloucado o perpetrado por um italiano que em 1911 roubou a Mona Lisa e levou-a para a Itália. Ele era um fabricante de vidros e conhecia muito bem o museu.

Duas Irmãs, de autoria desconhecida e mensagem enigmática
Duas Irmãs, de autoria desconhecida e mensagem enigmática

Um dia, o italiano – Vincenzo Peruggia — se escondeu no museu e ficou ali até a manhã seguinte, uma segunda-feira. (Naquele tempo o Louvre fechava às segundas, não às terças, como é hoje.) Ele tirou o quadro da parede do Salão Carré e colocou-o debaixo do sobretudo que vestia. Escondeu-o em casa e levou-o para a Itália. Tratava-se de uma repatriação, segundo ele.

A Mona Lisa chegou a ser exibida em cidades italianas, mas logo as autoridades francesas a tomaram de volta. Peruggia foi tratado como ladrão pelos franceses, mas para os italianos virou um herói nacional. O roubo da Mona Lisa levou os responsáveis pelo Louvre a investir pesadamente em segurança. Foram ficando para trás os dias em que o visitante podia pegar um quadro e segurá-lo para apreciá-lo mais devidamente num museu.

A Mona Lisa não foi obra de pilhagem, mas muita coisa foi. Napoleão tinha um apreço especial por surrupiar obras de arte em suas campanhas militares. Especialistas em arte costumavam acompanhá-lo. Um quadro imortalizou Napoleão mostrando orgulhoso a um grupo de pessoas, no Louvre, o Apolo Belvedere, uma escultura grega que representou por séculos a beleza masculina.

Napoleão pegou-a da coleção do Vaticano, depois de conquistar Roma e impor seu poder ao papa. Derrotado Napoleão, o Apolo e outras muitas obras retornaram aos donos. Mas nem todas. Os egípcios , por exemplo, jamais reouveram o que lhes foi tirado pelo amor napoleônico às artes. A recuperação se deu, quase que exclusivamente, no âmbito dos países que lideraram a luta contra Napoleão.

Ninguém teve um papel tão marcante na história do Louvre quanto Napoleão. Por isso mesmo, numa ida ao museu é justo que você demore alguns minutos para ver Napoleão numa situação gloriosa. “A Coroação de Bonaparte”, de Jacques-Louis David, o grande pintor da corte napoleônica. David era um artista militante, um jacobino que se atirara à vida de revolucionário.

Repare no seguinte. David escolheu um momento simbólico da cerimônia para registrar em sua obra. Napoleão está prestes a depositar a coroa em sua mulher, Josefina. Pelo protocolo, quem deveria fazer isso era o Papa Pio VII. Mas Napoleão queria deixar claro de quem era o poder na nova ordem. Pio VII está ali numa situação embaraçosa, com a expressão contrariada, e David registrou isso espetacularmente para a posteridade.

De David, no Louvre, é altamente recomendável ver também um instante dramático na saga jacobina, “A Morte de Marat”. Um dos líderes revolucionários mais amados pelo povo, Marat foi assassinado por uma jovem que se dizia partidária de suas idéias. Ela o esfaqueou na banheira em que ele mitigava as dores terríveis que sentia por causa de uma doença na pele. O assassinato de Marat precipitaria uma onda de terror no qual a guilhotina trabalharia freneticamente.

A etapa revolucionária de uma visita ao Louvre pode ser enriquecida com a contemplação de “A Maldição  Paterna”, de Jean-Baptiste Greuze. Ele foi o pintor favorito de Diderot, o soberbo intelectual iluminista que contribuiu como poucos para abrir caminho para a Revolução de 1789. Diderot admirava a arte de Greuze pelo seu conteúdo “moralizador”, feito para a construção de caracteres.

“A Maldição Paterna” mostra um filho desesperado no quarto em que seu pai agoniza sob as vistas da família. O filho contrariara o pai e por isso é reprovado enfaticamente no quarto. Greuze reproduziu com seu pincel um pensamento fundamental de Confúcio, o filósofo de 2 500 anos atrás que até hoje influencia fortemente os chineses: a obediência aos pais é vital na personalidade de homens e mulheres.

A morte de Sêneca, por Rubens
A morte de Sêneca, por Rubens

Os caprichos pessoais de cada um de nós devem ser levados em consideração numa visita ao Louvre, evidentemente. Para mim, “A Morte de Sêneca”, de  Peter Paul Rubens, é passagem obrigatória no museu. Rubens homenageou a bravura de Sêneca ao cortar os pulsos por ordem de Nero, o imperador de quem fora preceptor. Sêneca, que escreveu ensaios notáveis sobre a arte de viver e de morrer, cuidou de Nero antes que este degenerasse.

Depois, acusado de conspiração pelo antigo pupilo, foi obrigado a se matar. Como mostra Rubens, Sêneca, como Sócrates ao tomar a cicuta, consolou os discípulos em vez de ser consolado por eles. Ver “A Morte de Sêneca” pode ser um incentivo a comprar livros deste grande mestre do latim e da filosofia estóica.

“Artistas medíocres imitam”, disse Picasso. “Grandes artistas roubam as idéias dos mestres.” É instrutivo, a esse respeito, ver no Louvre “Concerto Campestre”, de Ticiano. Dois homens, um deles com um instrumento, estão no campo acompanhados de duas mulheres nuas. A despeito da nudez delas, os dois estão absolutamente entretidos um com o outro.

Este quadro enigmático  — que estão fazendo as duas moças peladas num local público, e por que são alvo da brutal indiferença dos cavalheiros? – inspiraria séculos depois Edouard Manet numa obra que entraria para a história da pintura. Em “Desjejum no Gramado”, obra prima do impressionismo, Manet retrata exatamente dois homens vestidos e duas mulheres nuas.

Ticiano colocou música no quarteto. Manet pôs comida. Em comum, os homens dos dois grandes pintores parecem simplesmente não notar a deslumbrante presença feminina. Se você encontrar sentido nisso, por favor me avise. Talvez você sinta vontade de ver o “Desjejum”. Boa idéia. Mas para isso você vai ter que ir a outro museu de Paris, o D’Orsay, repleto de obras de impressionistas como Manet, Monet, Cezzanne e Degas. O Louvre, numa decisão tomada há cerca de 40 anos, exibe obras apenas de artistas antigos. Não que o impressionismo – que floresceu na segunda metade do século XIX – seja novo. Mas não é antigo o bastante para estar representado ali.

Se grandes pintores como Ticiano e Manet se curvaram escancaradamente à nudez feminina, não há nenhuma razão para que homens comuns como nós nos sintamos constrangidos em admirá-la também. Dois quadros são especialmente interessantes nesse quesito no Louvre. Um é “O Banho Turco”, de Jean-Auguste-Domenique Ingres. Um amontoado de mulheres jovens e lindas se esfregam umas nas outras. Elas são, se não gordinhas, cheias, e você vai lamentar o triunfo da estética anoréxica entre as mulheres.

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O segundo quadro é de autor ignorado. Sabe-se apenas que proveio da célebre. Escola de Fontainebleau, e que é de cerca de 1594. O nome é “Gabrielle d’Estrès e uma de suas Irmãs”. Favorita do rei Henrique IV, Gabrielle, ninguém nunca soube entender por quê, aperta com a mão esquerda o mamilo direito da irmã. As duas estão nuas. Especialistas notam, quase que perplexos, que jamais esta obra, em que o erotismo é franco, jamais tenha sido perseguida por moralistas ao longo dos séculos.

Pelos meus cálculos, ver – direito — as obras citadas neste texto vai demandar umas duas horas. É o tempo justo. Mais que isso, bate um cansaço que pode levar você a odiar obras que deveria venerar. Melhor se encaminhar para a saída e dizer a este grande museu não adieu, mas até breve – e quem sabe completar a journée com um Club Sandwich no Deauville ali na Champs Elysèe.

13 COMMENTS

  1. O Louvre é muito cheio, muito grande e muito cansativo, tem que se preparar mesmo para ir visitá-lo… O museu d’Orsay já mais amigável, mais fácil de ser apreciado sem muitas pretensões

  2. É muito grande, Paulo, e sinceramente, muito cansativo também, embora bonito. Minha visita foi curta, um dia, e fui conhecer por causa da Vitória da Samotrácia, gosto mais de esculturas do que de pinturas.

  3. Fui três vezes e ainda não me dei por satisfeito. Quando for novamente a Paris, irei mais três. É grande demais. Mas Paris está cheio de pequenos museus em seus bairros. No Marais encontrei um (não lembro o nome) que mostrava o cotidiano dos aristocratas e nobres durante a revolução jacobina (antes, durante e depois. Uma combinação muito interessante). Gosto de museus, não acho que deixe de apreciar a cidade por visitá-los. É só administrar bem os dias que tem e se misturar com os locais. Nunca faço o turista. No máximo o perdido.

  4. Paulo, os museus são na civilização ocidental o todo (ou a pretensão da soma) de uma das características distintas do ser humano: a compulsão para fazer arte. A pintura mexicana e seus museus se elevam de tal modo que, conhecendo algumas coleções americanas e nenhuma canadense penso ser a maior das Américas. Enfim as nossas coleções de arte são a identidade de nossas características. Como você se encontra perto do continente europeu eu vou dar uma sugestão, que é sentimental, não puramente estética, mas me impressionou o A Galeria Nacional Húngara que funciona no Palácio da Sissi em Buda. Talvez tal impressão se deva ao inesperado, mas certo que há um força que representa a imagem cultura do húngaro bárbaro e valente desde os Magiares até os Hunos e toda aquela planície que corre cavalos e cavaleiros como aos guerreiros das estepes. Se fores sugiro um quadro que muito me impressionou, chamada-se Cotovia, o Skylark e é do impressionista Pál Szinyei Merse. Alias na internet é possível visualizar-se uma imagem do quadro.

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