“Por um milagre não estou morto”, diz ao DCM professor espancado pela polícia na Alesp. Por Donato

Atualizado em 5 de março de 2020 às 15:06
Professor José Jesus fez exame no IML. FOTO Mauro Donato

Depois de 31 anos trabalhando na Volkswagen, José de Jesus Cherrin Fernandes poderia estar em casa gozando a aposentadoria e tomando suco de laranja, mas decidiu dar sua contribuição à sociedade.

Há três anos é professor em escola pública, na disciplina em que possui formação. Graduado pela USP, leciona aulas de Física para o ensino médio na E. E. Isaltino de Mello.

José de Jesus, 64 anos, é um dos muitos professores e professoras agredidos na última terça-feira na Assembleia Legislativa de SP (Alesp), dia da votação da reforma da Previdência.

A Apeosp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) ainda não tem um número total de professores agredidos, mas sabe-se que são muitos. Qualquer pessoa que tenha testemunhado a barbárie sabe que chega na casa das centenas.

Alguns, como José de Jesus, com gravidade.

O professor conversou com o DCM nesta quinta-feira, momentos antes de fazer exame de corpo delito no IML em decorrência das agressões sofridas.

As marcas da brutalidade da PM

DCM: Como se deu a agressão?

José: Eu estava no saguão. Havíamos sentado no chão depois de termos sido atacados com spray de pimenta. A Tropa de Choque então avançou sobre nós. Muitos companheiros se levantaram. Eu tenho 64 anos, estava com uma mochila pesada nas costas, cheia de livros. Tenho uma velocidade reduzida para me levantar em comparação aos jovens. Aí começaram as agressões. Muitos pontapés, borrachadas.

Em algum momento o senhor esboçou reação?

Não, eu levantava as mãos para mostrar que não tinha nada. Mas apanhei muito. Fui pisoteado durante muito tempo. Os policiais do Choque são pessoas com o porte físico de um Capitão América enquanto eu estava sentado tentando me defender o tempo todo. Me trucidaram. Por um milagre não estou morto.

Como escapou?

Uma professora se postou à frente da tropa e um colega me puxou pela mochila. Ele saiu me arrastando por uns sete metros até perto da porta. Essas duas pessoas me salvaram. Mas na rampa de saída estavam atacando muitas bombas, eu não conseguia enxergar nada por causa do gás e fumaça. Fiquei zonzo e fui andando. Atravessei o parque Ibirapuera todo a pé, até chegar no Hospital do Servidor Público.

O que diagnosticaram, tem fraturas? Notei que o senhor está com dificuldade para caminhar.

Muitos hematomas no tórax, braços e pernas, mas o mais grave é que há fissuras nas costelas.

Estamos aqui no Instituto Médico Legal, vai acionar judicialmente o Estado?

Claro. Sou uma pessoa que estava na ‘casa do povo’. Não estava armado. Sou um professor, minha arma é uma caneta, e nem isso eu tinha em mãos naquele momento. Tanto que minhas mãos estão todas roxas por tentar me defender dos cacetetes. Fui ontem abrir um boletim de ocorrência na delegacia e hoje vim aqui fazer o exame de corpo de delito.

Qual sua expectativa com o processo?

Não se trata de expectativa. Como cidadão tenho que fazer minha parte, denunciar esses atos intimidatórios de violência gratuita. Quem cala consente com essa violência do Estado. Seria fácil ficar em casa, sem me manifestar. Mas fui fazer minha parte.

O senhor passou da iniciativa privada para servidor público por que?

Altruísmo. Estudei em escolas federais, ganhei uma bolsa e fui trabalhar na Volkswagen. Foram 31 anos lá na área de desenvolvimento de novos projetos. Saí em 2006 e nesse mesmo ano me formei pelo Instituto de Física da USP.

Com toda minha experiência ligada a física e a matemática resolvi, mesmo ganhando 13 reais a hora, ser professor, dar aulas para o ensino médio.

Como a reforma da Previdência o afeta?

A reforma afeta os que estão trabalhando há mais tempo. Mulheres terão que trabalhar 7 anos a mais. É uma atividade dura, abala o psicológico, as salas lotadas com 40 alunos. Agora aumentaram mais uma aula, temos que dar 7 aulas em uma manhã. Trabalhar nessas condições e ainda ter mais 3% de desconto no salário (a contribuição passou de 11% para 14% em uma das faixas) é muito duro.

No meu caso não afeta muito, mas estou imbuído na luta pela Educação neste momento tão difícil em que estamos atacados pelo obscurantismo.

Imaginava ter que passar por isso?

Nunca. Você está na Assembleia Estadual, a ‘casa do povo’… Meus amigos e família ficaram horrorizados.

Arrepende-se de ter virado professor?

Não. Eu acredito na Educação. Para sair desse estado de barbárie, na Educação estão as luzes. O maior soldado do ocidente, Alexandre, enviava para seu professor, Aristóteles, amostras da fauna, da flora, de todos os locais que conquistava. O maior soldado do mundo sempre demonstrou respeito a seu professor.