Por um troféu, Bolsonaro e Moro copiaram Garotinho e Josias Quintal. Por Marcelo Auler

Atualizado em 14 de janeiro de 2019 às 8:35
Cesare Batistti preso na Bolívia (Foto: Polizia di Stato/Itália)
Em 2001, Josias Quintal, a mando de Garotinho, precipitou-se em viajar para a Colômbia, mas não trouxe Beira-Mar. (Reprodução de O Globo).

Publicado originalmente no blog do autor

POR MARCELO AULER

Em busca de um trunfo político a ser usado como troféu, o capitão-presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus ministros, entre os quais Sérgio Moro, da Justiça, não titubearam: despacharam na manhã de domingo uma aeronave da Polícia Federal para Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia (1,6 mil quilômetros de Brasília, em linha reta), na expectativa de trazerem o italiano Cesare Battisti para o Brasil. A aeronave voltou com a mesma tripulação com que saiu do Brasil.Ou seja, sem o troféu desejado.

Talvez eles nem saibam, mas copiaram, 17 anos depois, a atitude infantil e precipitada do ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, e do seu então secretário de Segurança Pública, Josias Quintal. Ocorreu também em um domingo, 22 de abril de 2001, dia seguinte ao anúncio, pelo então presidente da Colômbia, Andrés Pastrana, da prisão do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

Na ânsia de apresentar o então mais procurado criminoso do país como trunfo político, Garotinho determinou a ida de seu secretário de segurança – devidamente acompanhado de equipes de jornalistas – em um voo fretado que saiu do Rio de Janeiro na madrugada do domingo. Foi uma decisão dele e do seu então secretário que, dois dias depois, retornou no avião da Líder Táxi Aéreo com os mesmos passageiros com que levantou voo. O máximo que conseguiu foi uma conversa de 15 minutos com o traficante.

A busca inútil de um troféu repetiu-se na manha do domingo (13/01). O envio da aeronave foi decidido em uma reunião de emergência, no final da manhã, no Palácio Alvorada. Dela participaram o presidente da República, seu ministro da Justiça, ao qual o Departamento de Polícia Federal (DPF) está subordinado, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Queriam trazer Battisti para depois embarcá-lo em um voo para Roma, na Itália.

“O Brasil ofereceu facilitar o embarque pelo território nacional e devido à urgência foi encaminhada uma aeronave da Polícia Federal brasileira à Bolívia. No entanto, optou-se pelo envio direto do prisioneiro à Itália”, afirmaram Moro e Araújo em nota conjunta divulgada no final da tarde de domingo.

Esquerda cedeu à direita – A “facilidade”, na verdade, seria trazer o italiano para o Brasil para então Bolsonaro oferecê-lo como um “presente” à Itália, tal e qual prometera durante a campanha eleitoral. Na verdade, seria um passeio com o preso que garantiria primeiras páginas e manchetes dos jornais, transformando-o em troféu político.

O entendimento direto do governo de direita da Itália com o governo de esquerda de Evo Morales, da Bolívia, poupou o perseguido italiano de virar propaganda política do governo direitista de Bolsonaro e Moro.

Passando por cima de um pedido de refúgio que Battisti entregou ao Comitê para Refugiados da Bolívia em dezembro passado, o governo de Evo Morales acabou por entregá-lo diretamente aos italianos. Alegou para tanto um suposto ingresso irregular de Battisti no país. Não extraditou nem o deportou, apenas o expulsou do país no que denominou de “saída obrigatória”.

Não levou em consideração pedidos feitos a dele, como a carta do professor argentino Carlos Alberto Lungarzo ao atual vice-presidente boliviano, Álvaro Marcelo García Linera. Recorrendo à condição de
de Linera como antigo militante revolucionário, Lungarzo – professor, atualmente radicado o Brasil – destacou ser “fundamental ter em mente que se Battisti for devolvido ao Brasil ou entregue para a Itália terá uma morte terrível e muito triste” e pedia ao vice-presidente que a Bolívia desse abrigo político ao mesmo.

Bolsonaro atropelado – A decisão do governo boliviano, de qualquer forma, atropelou as vontades do marketing político do governo Bolsonaro que acabou no papel ridículo de ver a aeronave da Polícia Federal retornar de Santa Cruz de La Sierra, sem o desejado troféu.

Se fosse bem orientado politicamente, inclusive por seus ministros da Justiça e das Relações Exteriores, o atual governo brasileiro poderia evitar este “papel de bobo”. Bastava recorrer ao que fez José Gregori, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, no episódio de 2001 da prisão de Beira-mar

Cauteloso, enquanto desenvolvia as negociações com o governo colombiano, Gregori deixou o avião da Polícia Federal pronto para decolar na cidade de Tabatinga, no Amazonas, divisa do Brasil com a Colômbia.

Ao contrário do que fizeram Garotinho e Quintal, o avião do DPF só levantou voo rumo à Bogotá, capital colombiana, levando os delegados de Polícia Federal Getúlio Bezerra (da Diretoria de Repressão a Entorpecentes – DRE) e Mauro Spósito, superintendente da Polícia Federal no Amazonas), depois de concluídas todas as negociações. Foi com rumo certo e voltou com o preso diretamente para Brasília.

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