Pornografia online é tema do primeiro romance do holandês Peter Buwalda. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 13 de março de 2016 às 10:34

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“Todas as famílias felizes são parecidas; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira”, diz Tolstói no parágrafo que abre o romance Anna Karenina. Poderíamos ir mais fundo ao observar que, vistas de longe, todas as famílias parecem felizes.

Essa é a impressão que temos nas primeiras páginas do romance Bonita Avenue (Alfaguara, 535 pgs, tradução de Cássio de Arantes Leite), do escritor holandês Peter Buwalda, que chegou às prateleiras brasileiras no mês passado. A leitura de início é arrastada, e o leitor desavisado pode, entediado, pensar que nada vai acontecer.

As coisas começam a desmoronar junto com a explosão de uma fábrica de fogos de artifícios, que aconteceu de verdade na cidade de Enschede, Holanda, no ano 2000, onde se passa a narrativa. O desastre irá desencadear a decadência física, psicológica e moral da feliz família à qual somos apresentados nos primeiros capítulos, desenterrando traumas do passado.

Siem Sigerius é o respeitável reitor da Universidade Tubantia, em Enschede. Bem casado, com duas enteadas lindas e inteligentes, que o tratam por pai, Sigerius é também popular entre os alunos, aos quais eventualmente ministra aulas de judô, além de ser um gênio da matemática e arrebatado amante de jazz.

Joni, sua enteada mais velha e estudante da mesma universidade, namora Aaron, um fotógrafo que nutre uma admiração genuína pelo sogro, chegando a ser quase tão apaixonado por ele quanto por sua filha. Ambos se tornam grandes amigos, dividindo o tatame e o gosto pela música.

A família parece seguir em seu afortunado cotidiano, cada capítulo mostrando o ponto de vista de um dos três personagens principais (Sigerius, Joni e o namorado Aaron), que vão e voltam no tempo ao sabor das memórias, contadas já anos depois dos acontecimentos. A leitura só engatilha quando se percebe o que a família perfeita esconde: um genro psicologicamente perturbado, uma mãe com compulsão por comida, a filha mais nova antissocial, o magnífico reitor, antes assexuado, agora viciado em pornografia online, cujo passado esconde um primeiro casamento desastroso, com um filho delinquente.

Mas o pior ainda está para acontecer: certa noite, em uma cerimônia da universidade, Sigerius percebe uma extrema semelhança física entre a enteada Joni e sua estrela pornô favorita. Consumido pela dúvida, pela culpa e pelo remorso (“Será que concebeu essas ideias idiotas e paranoicas porque o moralista dentro dele sente que devia ser punido por toda aquela pornografia na internet?”, se pergunta o reitor), Sigerius começa a afundar, carregando consigo a família, cujos membros guardam, cada qual, seus próprios fantasmas.

Apesar de a pornografia online não ser um tema tratado com a profundidade que merecia – há muito o que ser discutido sobre a questão -, serve de mote para o desenrolar da história, sendo apenas um dos muitos problemas da família Sigerius.

Bonita Avenue é o primeiro romance de Peter Buwalda, jornalista por formação, publicado em 2010 e vencedor de quatro prêmios na Holanda. No exterior, a escrita de Peter Buwalda foi comparada à do francês Houellebecq e do americano Philip Roth. O título remete a uma rua em Berkeley, California, onde a bem-aventurada família vivera por um curto período de tempo legitimamente feliz.