
O diplomata Dmitri Peskov, 57, porta-voz do presidente russo Vladimir Putin, discutiu temas como o uso de armas nucleares pela Rússia, a possível presidência de Donald Trump nos EUA e os “sinais” de que o mundo estaria à beira da Terceira Guerra Mundial. Em entrevista à Folha, Peskov também criticou a “posição irresponsável” das potências ocidentais.
Os EUA e o Reino Unido autorizaram o uso de suas armas pela Ucrânia contra o território da Rússia. O país, em resposta, alterou a sua doutrina nuclear e apresentou novos mísseis que foram usados contra a Ucrânia. O presidente Putin disse, em discurso à nação, que os EUA, agarrados à sua hegemonia, estão empurrando o mundo para um conflito global. Como os EUA não vão desistir da sua hegemonia, ele é inexorável? A Terceira Guerra Mundial já começou?
Graças a Deus, ainda não. Por enquanto, a Terceira Guerra Mundial não começou. Mas tem todos os sinais de que isso pode acontecer.
A alteração na doutrina nuclear da Federação da Rússia não ocorreu como uma resposta direta à autorização dos países ocidentais para o uso de seus mísseis. As condições estavam mudando muito antes disso.
A infraestrutura militar da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar que reúne países ocidentais] estava avançando para a fronteira da Federação da Rússia [com a incorporação, ao longo dos anos, de diversos países do leste europeu que podem receber armas].
A revolta na Ucrânia [em 2014, que resultou na queda do governo então eleito] foi organizada pelos EUA. Depois dele, os mesmos países ocidentais começaram a transformar a Ucrânia no centro de luta contra a Rússia, lotando o país de armas.
Fecharam os olhos à chegada dos líderes pró-nazistas ao poder. E, o principal: fecharam os olhos ao fato de o regime de Kiev [capital ucraniana] começar uma guerra civil, matando os russos que moram na Ucrânia.
A partir daí, houve uma escalada rápida de tensões.
[Antes da guerra] O presidente Putin sugeriu várias vezes [às outras potências] sentarmos à mesa para discutirmos as preocupações da Rússia [com a situação de Kiev]. Washington e as capitais europeias recusaram as negociações.
É por isso que [a Rússia] começou o que chamamos de operação militar especial contra o regime de Kiev. Foi a última medida depois que todas as possibilidades de resolução pacífica foram rejeitadas.
Washington, Paris, Berlim, Londres e muitos outros países europeus se uniram então direta ou indiretamente ao confronto, enviando [à Ucrânia] os armamentos que atiram contra os nossos soldados e contra os russos que vivem nas regiões fronteiriças. A operação se transformou, de fato, em uma guerra com a participação direta do Ocidente coletivo [como a Rússia se refere a nações alinhadas com os EUA].
Os sistemas de armamento se tornaram cada vez mais complexos. Os mísseis [dos EUA e Reino Unido usados pela Ucrânia para atingir o território russo] só podem ser lançados por especialistas ingleses, franceses e americanos. As potências nucleares se uniram contra nós.
Por todo esse conjunto, precisamos alterar a nossa doutrina nuclear.
Mas a Rússia pensa de fato que o uso de armas nucleares pode ser necessário? Ou se trata apenas de uma retórica?
A Federação da Rússia tem uma posição muito responsável em relação a essa questão. E está convencida de que as armas nucleares nunca devem ser usadas por ninguém. Por isso fazemos o possível para que nunca sejam usadas.
Estão usando a Ucrânia como um instrumento para a opressão total da Rússia. Eles não têm pena dos ucranianos que estão morrendo. O mais importante é derrotar a Rússia
Mas a situação está mudando drasticamente. E por isso foram feitas alterações no nosso conceito que diz que, se uma potência nuclear ajudar outro país a atacar o nosso território, isso pode ser razão para o uso das armas nucleares.

Que país venceria, e sobreviveria, a uma guerra nuclear?
O mais importante no armamento nuclear é o seu potencial de contenção. Se não houvesse a paridade nuclear [entre países, evitando que um ataque o outro por temor de represália destrutiva], as grandes potências já estariam em estado de guerra há muito tempo.
O que nós vemos neste momento é uma posição irresponsável dos países nucleares ocidentais, com ações que de fato colocam a paridade nuclear em questão. Nós pedimos que recuem.
Eles estão usando a Ucrânia como um instrumento para a opressão total da Rússia. Os ucranianos, como tal, não têm importância. Eles não têm pena dos ucranianos que estão morrendo. O mais importante é derrotar a Rússia, como eles mesmos disseram. (…)
Trump sinaliza com a possibilidade de normalização das relações dos EUA com a Rússia, mas também com uma postura muito agressiva em relação à China, com quem vocês têm hoje uma parceria que definem como “sem precedentes”. Como se equilibrarão nessa disputa?
Nossas relações bilaterais com os EUA estão em seu ponto histórico mais baixo, próximo de zero. E nossas relações bilaterais com a República Popular da China estão historicamente em seu nível mais elevado. Nosso presidente Putin já falou várias vezes que temos a vontade política, muito firme, de seguir desenvolvendo as relações com a China em todas as áreas possíveis. E vemos recíproca de nossos amigos chineses.
Não se pode mudar drasticamente o rumo de um grande navio em um segundo, ainda mais em um país como os EUA, que tem um ‘deep state’. Mas a equipe de Trump terá pessoas ambiciosas, com bastante energia. Vamos ver o quanto vão poder corrigir esse rumo [da guerra](…)
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