Poze algemado, rave liberada: a guerra nunca foi contra as drogas. Por Nathalí

Atualizado em 29 de maio de 2025 às 15:50
Mc Poze do Rodo, preso nesta quinta-feira (29) no Rio

O cantor de funk MC Poze do Rodo foi preso hoje acusado de apologia ao crime e associação para o tráfico de drogas, além de envolvimento com a facção criminosa Comando Vermelho.

E não, eu não estou aqui pra dizer se o cara é bandido ou não – mesmo porque não sou da polícia, graças a Deus.

O fato é que a truculência da polícia depende do nome de quem cai nas suas garras: algema e camburão só pra preto e pobre, e se for famoso, então, é um prato cheio para o espetáculo da carnificina protagonizado por policiais despreparados e tantas vezes sádicos.

E olha que essa história não fala “só” sobre a gritante diferença com que ricos e pobres, pretos e brancos são tratados pela polícia – uma violência da qual você não se salva nem sendo famoso.

Você pode dizer que tudo isso é mimimi pra defender bandido, sinta-se à vontade.

Mas, vem cá: você já viu alguém algemado no Universo Paralelo (festa de música eletrônica do pai do Alok?)

Um festival de música e artes que funciona, na verdade, como epicentro do tráfico de drogas internacional, porquanto recebe gente do mundo todo pela música, sim, mas muito mais pelas drogas.

Não tem polícia por lá: consegue-se o alvará, molha-se a mão de quem-sabe-quem e faz-se a festinha na praia com MD, pó colombiano e tudo mais que você precisar pra ficar fora da casinha.

De onde vêm essas drogas? Certamente não do Poze, tampouco das periferias. Essa droga vem das cabeças grandes, das costas quentes, daqueles que jamais sairão algemados.

Se você já esteve em uma rave qualquer, pôde comprovar: é gente dançando na lama sem entender nada depois de um LSD 500ug, lança perfume rolando solto, adultos com chupetas ridiculamente grotescas (para quando se morderem de tanto ecstasy) e umas drogas que você provavelmente nunca ouviu falar.

Eu já estive em muitas e posso garantir: rave é Cracolândia de branco. Algumas delas, talvez a maioria, existem justamente para impulsionarem o tráfico de drogas, que rola solto pelos frequentadores e organizadores.

Por que o pai de Alok nunca saiu algemado?

Porque a guerra não é contra o tráfico, é contra a periferia. As periferias é que são invadidas, espancadas e chacinadas.

E a minha defesa, senhoras, não é a Poze do Rodo, é a esses lugares periféricos em que vive gente, gente que eles chamariam “gente de bem”, acaso fossem brancos. Minha defesa é à justiça que deve ser feita na periferia e nas festas de drogado rico.

Porque se a guerra fosse realmente às drogas, não sobraria uma rave sequer.

Mas parece que a polícia, com seus cassetetes e fuzis, só enxerga os bailes funk.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.