“Prática própria de ditaduras”: quando do grampo de Dilma e Lula, Cármen Lúcia silenciou. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 12 de junho de 2017 às 9:06
Ela sabia

Há algumas maneiras de interpretar a conversa entre Cármen Lúcia e Michel Temer em torno da denúncia da Veja de que ele teria acionado a Abin para investigar Edson Fachin.

Temer telefonou para ela na sexta, assim que soube da matéria, e negou tudo. O general Etchegoyen fez a mesma coisa.

Ainda assim, ela soltou a seguinte nota:

“É inadmissível a prática de gravíssimo crime contra o Supremo Tribunal Federal, contra a Democracia e contra as liberdades, se confirmada informação de devassa ilegal da vida de um de seus integrantes.

Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente.

O Supremo Tribunal Federal repudia, com veemência, espreita espúria, inconstitucional e imoral contra qualquer cidadão e, mais ainda, contra um de seus integrantes, mais ainda se voltada para constranger a Justiça.

Se comprovada a sua ocorrência, em qualquer tempo, as consequências jurídicas, políticas e institucionais terão a intensidade do gravame cometido, como determinado pelo direito.

A Constituição do Brasil será cumprida e prevalecerá para que todos os direitos e liberdades sejam assegurados, o cidadão respeitado e a Justiça efetivada.

O Supremo Tribunal Federal tem o inasfastável compromisso de guardar a Constituição Democrática do Brasil e honra esse dever, que será por ele garantido, como de sua responsabilidade e compromisso, porque é sua atribuição, o Brasil precisa e o cidadão merece.

E, principalmente, porque não há outra forma de se preservar e assegurar a Democracia”.

Uma hipótese é a de que ela não acreditou no sujeito e mandou bala mesmo assim.

Outra é que ela não tinha mesmo muito o que fazer nessas circunstâncias.

Afinal, um ministro de sua corte estaria sendo perseguido e ela não poderia silenciar. Há um certo teatro aí que o protocolo não explica.

As palavras são duras. “Própria de ditaduras, como é esta prática, contrária à vida livre de toda pessoa, mais gravosa é ela se voltada contra a responsável atuação de um juiz, sendo absolutamente inaceitável numa República Democrática, pelo que tem de ser civicamente repelida, penalmente apurada e os responsáveis exemplarmente processados e condenados na forma da legislação vigente”, diz ela.

Ela quis humilhar o malandro? Ou combinou?

O que ela falou? Hipótese: “Desculpa, Michel, mas sabe como é, os caras da imprensa estão no meu pé. Mas fica sussa. A gente já passou por poucas e boas, parça”.

Cármen não deu um pio quando Moro vazou os grampos de Lula e Dilma. E MT só chegou onde chegou com a mão do Supremo.

Não há razão para crer que ela esteja surpresa com Michel Temer — a não ser que estejamos falando de uma completa nefelibata, o que não é o caso.

Vamos lembrar o testemunho do ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão sobre o afastamento de Cunha.

Teori Zavascki, conta Aragão, “insistiu com os colegas semanas a fio na necessidade de se afastar Eduardo Cunha. Só logrou, porém, sucesso depois de consumado o afastamento processual de Dilma Rousseff no procedimento de impeachment que corria no congresso”.

Segue: “Sentiu-se mal por isso, mas não era dono das circunstâncias políticas que dominavam aquele momento”.

O vexame no TSE foi a pá de cal na credibilidade do Judiciário. O golpe nos atirou num pântano institucional de que não sairemos tão cedo.

Aberta a porta de um impeachment baseado numa fraude, toda farsa vira possível. Até mesmo uma missiva cheia de repulsa divulgada por uma juíza da mais alta corte brasileira contra um cidadão que ela sempre soube repugnante.

Esse grampo jamais vai vazar.