Precisamos falar sobre o boquete de Miley Cyrus. Por Nathalí Macedo

As fotos foram feitas para a revista Candy

Miley Cyrus é a típica garotinha da Disney que se transformou em mulher diante dos olhos atentos do público. A eterna Hannah Montana se tornou uma figura ousada e irreverente, cuja rebeldia se fez clarividente – propositadamente, isto é óbvio – numa enxurrada de sucessivos episódios no mínimo desconcertantes: nudez, mudança drástica da postura no palco, polêmicas pessoais, letras ousadas, e, recentemente, o ensaio sensual (???) pelas lentes de Terry Richardson.

Isso nos desperta para uma discussão necessária sobre nudez, liberdade e, inevitavelmente, feminismo. Ela – que sempre foi vista como uma garotinha doce, meiga e pudica — provavelmente cansou desse estigma e resolveu se reinventar publicamente. Revelar a nova identidade da menina que cresceu e apareceu. Afirmar-se, enfim. Ok, nenhum problema nisso.

Nada contra fotos de boquetes em cassetetes – além do óbvio mau gosto – mas nós precisamos nos perguntar: isso de fato nos empodera?

O problema da nudez pública é a ausência de conceito, de um viés político que a justifique. E mesmo que Miley Cirus – ou quem quer que seja – opte por posar nua sem nenhuma razão específica (e tenha inegavelmente esse direito) acaba caindo na inevitável armadilha da falsa auto-afirmação.

Porque mesmo que não tenhamos a intenção de sermos objetificadas e sexualizadas, o fazemos, muitas vezes, pela falsa sensação de auto-afirmação e liberdade. Aquele discurso vazio de “eu faço o que eu quiser” nos torna, muitas vezes, vulneráveis à construção de uma identidade que, no que tange à auto-afirmação, não quer dizer nada.

Não quero problematizar o ensaio – nem a vida de Miley Cyrus – pelo viés do moralismo barato antinudez. A questão não é ficar nua – se o corpo é dela, que o mostre como bem entender. A questão é por que ficar nua.

Quando se utiliza a nudez e a sensualidade a serviço da excitação masculina – como foi o caso, a julgar pelo épico boquete num cassetete – o efeito de “auto-afirmação” é justamente contrário. E enquanto ela pensa que sua nudez irreverente a torna dona de si, esta mesma nudez a coloca, na verdade, como mero objeto sexual. É justamente o que as mulheres livres não querem, correto?

A despeito da repercussão do ensaio, o peso disso na vida e na psiquê da própria Miley Cirus é outro ponto digno de atenção: o quão mal-resolvida é preciso ser para tirar fotos sensuais (??? – de novo) como forma de se auto-afirmar?

Miley, o que precisamos te dizer é que você pode, sim, tirar a roupa em frente às câmeras. Você pode tirar uma foto simulando um boquete em um cassetete. Você pode beijar o focinho do seu porco e postar no Instagram. Você pode usar o seu corpo da maneira que lhe convier.

O que não lhe convém é que faça isso – ou o que quer que seja – para provar que pode. O que não lhe convém é colocar o seu corpo a serviço de um mercado sexual absurdamente capitalista. Não lhe convém – para simplesmente mostrar que você faz o que bem entender – que seus peitos sejam – em vez de manifesto da mais genuína liberdade – só mais um par de peitos nas paredes de uma oficina mecânica. Não lhe convém porque você pode mais que isso.

A nudez que empodera é justamente aquela que não está a serviço da beleza, da sensualidade, do sexo, do capitalismo – que está a serviço simplesmente da liberdade. Você é livre, Miley, e continuará sendo independente de nudez ou sensualização barata.

Em resumo: não deixemos que a busca pela liberdade nos torne cativas.

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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