‘Prefiro morrer a cantar Satisfaction aos 45’: como Jagger e os Stones contrarariam tanto as expectativas deles mesmos

Atualizado em 21 de novembro de 2012 às 20:45
Os Stones em 1963

 

 

Nem eles mesmos concordam sobre a data correta: se em 1962, quando fizeram o primeiro show no mítico clube Marquee, em Londres, ou, como defende Keith Richards, em 1963, quando o baterista mão leve Charlie Watts entrou na banda.

Como sempre em se tratando dos Stones, a empresa mais cínica e pragmática do rock’n’roll, prevaleceram os negócios e a grana. Então ficou combinado que 2012 seria o ano do cinquentenário. O pontapé inicial das comemorações foi dado ontem com a abertura de uma exposição de fotos na Somerset House, um centro cultural com galerias e restaurantes as margens do Tâmisa. No final das contas, não importa: contra todos os prognósticos, contra todas as overdoses de Keith e Charlie, contra a velhice, contra o desgaste pessoal e contra eles mesmos (“Prefiro morrer a cantar ‘Satisfaction’ aos 45”, disse Mick Jagger há 40 anos), eles estão aí, nem tão firmes e nem tão fortes, mas em pé e milionários.

Quer dizer, parte deles: toda grande banda tem uma história trágica, repleta de mortos e feridos. Nos Rolling Stones, a grande vítima é Brian Jones, o guitarrista fundador, abandonado pelos colegas Jagger e Richards quando se perdeu no LSD, traído pela namorada Anita Palemberg e pelo amigo Richards numa viagem ao Marrocos. Brian foi expulso do grupo em 1968. Havia se transformado num boneco hippie inflável, triste, com suas olheiras imensamente profundas, o cabelo principe valente, as roupas coloridas. Foi encontrado boiando na piscina de sua casa meses depois. Tinha 27 anos.

Foi Jones quem deu à banda o nome Rolling Stones. Ou quase isso. A história mais acreditada é que, quando eles acertaram a primeira gig (apresentação) perguntaram aos garotos como se chamava o grupo para fazer cartazes de promoção. Não se chamava nada. Brian Jones teria visto no mesmo instante um disco de seu ídolo Muddy Waters em que estava escrito: ‘Rollin’ Stone’. Pronto. Rollin’ Stone. Ou melhor: quase pronto. Logo depois viriam o g e o s. Rolling Stones.

O legado dos Stones é mesmo esse: eles não poupam ninguém. Muito menos a si mesmos. Diferentemente dos Beatles, seus arquirrivais (de mentirinha, claro, numa jogada brilhante do empresário Andrew Loog Oldham), que vinham de Liverpool, cidade portuária com gente do mundo todo e sons do mundo todo, Mick, Keith e Brian eram garotos da classe média londrina que se apegaram a outro evangelho: o blues de Chicago, elétrico, cujo maior sacerdote era Muddy Waters. Tiveram a sabedoria de não sair muito disso.

Nenhum deles é um virtuose. Mick, de carisma gigantesco, é limitado do ponto de vista vocal em comparação até mesmo com seus imitadores, como Steven Tyler, do Aerosmith. Charlie é da escola de Ringo Starr — preciso e discreto. Brian Jones, o mais musical, logo veria que não adiantava colocar uma cítara num rock de três acordes. Os melhores momentos do baixista Bill Wyman eram quando Keith gravava o baixo em seu lugar.

Kiko, autor deste texto, na exposição dos Stones em Londres, hoje

Mas eles são grandes inventores. Primeiro, do roqueiro bandido. Era marketing? Sim. Quem está falando em arte? Jagger foi o frontman primordial, sexy, perigoso e manipulador. E Keith inventou o som dos Stones. Basicamente, roubou os riffs do blues, acelerou-os e embranqueceu-os. Gênio da simplicidade, adotou a afinação aberta da guitarra que os negros usavam (ao invés de mi, lá, ré, sol, si, mi, ele afinava de modo a que as cordas soltas soassem já num acorde). Com esse truque, fez todas as obras-primas nos álbuns clássicos, lançados a partir de 1968 numa sequência memorável: Beggar’s Banquet, Let It Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main Street.

Depois disso, talvez tenham feito mais dois bons discos — “Some Girls”, que tem a incrível Beast of Burden, e Tattoo You, com material não utilizado em outros LPs. O resto é uma espécie de autoplágio sem fim, uma imitação do que eles mesmos fizeram ao longo das últimas cinco décadas.

Mas que imitação, que autoplágio, que maravilha, que glória dessa indústria do mau comportamento e dessa arte de despertar os deuses com barulho que é o rock’n’roll.