
Chico Buarque de Hollanda é o ganhador do Prêmio Camões, o principal laurel da língua portuguesa.
Foi eleito por unanimidade e vai receber 100 mil euros.
“Fiquei muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar”, disse ele em nota lacônica enviada por sua assessoria de imprensa.
A escolha é pelo conjunto da obra e o último brasileiro eleito, como lembrou Chico, foi Raduan, de “Lavoura Arcaica”, em 2016.
O júri justificou sua escolha pela “contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa”.
Ressaltaram seu “caráter multifacetado”: poesia, teatro e romance.
“Seu trabalho atravessou fronteiras e mantém-se como uma referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo”, referem os jurados.
Chico é o primeiro da lista que tem a música popular como seu veículo principal.
“A música ‘Construção’, por exemplo, é um poema até raro de se fazer”, afirma um membro do júri, o escritor Antonio Cicero (que assina, aliás, a belíssima “Fullgas” com a irmã Marina).
“Seria uma tolice pretender que a letra de música [não seja vista] como grande poema”.
Essa falsa questão já havia sido encerrada com o Nobel de Bob Dylan, outro gênio da geração de Chico que se expressou e fez sucesso através das canções.
Se você e eu nos pusermos aqui a citar versos sublimes de Chico só vamos parar amanhã.
É certo que os anos mais produtivos ficaram para trás, mas é injusto e absurdo exigir qualquer coisa a mais do sujeito que compôs “Com Açucar, com Afeto”, “Bárbara”, “Apesar de Você”, “Cálice”, “Bastidores”, “Eu Te amo” etc etc etc.
(A melhor intérprete dele em todos os tempos é minha irmã Mari, que cantava para nosso pai Emir. Ainda canta, mesmo com ele morto ou por isso mesmo. Um dia conto direito).
Chico é o retrato de um Brasil que parece utópico, um mundo paralelo onde a burrice não era cultivada e glorificada, onde o ódio não era o idioma corrente, onde se podia conversar, inclusive, sobre política com adversários sem a sombra de um fuzil.
Ouvi-lo é um bálsamo, ser seu contemporâneo um privilégio.
A arte como fuga dessa miséria cotidiana, não apenas a bolsonarista, mas a que transcende a realidade.
Meu verso preferido, hoje, é aquele que diz que “te encontro, com certeza, talvez no tempo da delicadeza”.
Que a gente se encontre, novamente, no tempo da delicadeza, se é que ele existiu, se é que existirá no Brasil.