
Quando eu era adolescente em Patos de Minas, só existiam 2 hipóteses de profissão para os estudantes, ditos mais bem avaliados: Médico ou Engenheiro. No terceiro ano do 2º grau, manifestei a minha opção que, por sinal, era única: faria vestibular para Direito. Queria ser advogado. Foi um drama. Como eu era um aluno muito bem avaliado, a orientadora vocacional veio falar comigo. Era como se fosse um desperdício ser advogado, já que eu poderia ser engenheiro ou médico. Na verdade, eu tinha uma dúvida interna: queria também ser psiquiatra. Mas logo percebi que na psicanálise eu ficaria melhor como paciente.
O tempo passou e eu levei, e levo, a minha vida como advogado criminal. Amo o que faço e costumo dizer que a advocacia me deu o que tenho de mais precioso: ter voz! Eu falo aonde vou. Sou chamado para falar no Brasil inteiro e em alguns outros países. Obviamente, com absoluta liberdade para defender o que entendo ser o que é melhor para o Estado democrático de direito.
Como não sou acadêmico, procuro levar minha vida com a precisão técnica que a advocacia exige, mas sem perder o olhar mais amplo para as dificuldades sociais do mundo. Jamais pensei em ser juiz ou membro do Ministério Público. Seria uma outra pessoa nesses cargos. Ser ministro do Supremo me soa tão estranho quanto ser jogador do Atlético Mineiro, incompatibilidade absoluta.
Nada, evidentemente, exclui a existência urgente de uma necessidade de participação nas grandes discussões humanitárias do mundo. Como advogado e como cidadão brasileiro e do mundo. Acompanho, agora, este momento histórico e doloroso da trégua no massacre genocida em Gaza. Os detalhes são macabros e nada nos leva a uma hipótese de paz real. É muita barbárie. Muito horror.
Porém, é preciso dar um voto de confiança à paz. Ainda que não chegue à hipocrisia de apoiar a vitória pessoal de Trump, que quer comprar o Prêmio Nobel da Paz, o que interessa é avançar na pauta humanitária.
Acompanho, estupefato e triste, mais do que perplexo, o acordo de cessar-fogo entre Israel e os escombros da Faixa de Gaza. Daqui da minha cadeira em Brasília, certamente não me cabe palpitar. De longe, passo os olhos pela cidade completamente destruída e arrasada. Ninguém conseguiria identificar onde era sua casa antes dos reiterados ataques. As pessoas andam atônitas, a pé, à procura do que sequer sabem na realidade.
O massacre foi cruel: 190 mil edifícios e casas destruídos, incluindo todos os hospitais e várias escolas. De acordo com as autoridades de saúde de Gaza, foram assassinados 67 mil palestinos e existem 170 mil feridos. Entre os mortos, 453 faleceram de fome, inclusive 150 crianças. As vítimas eram civis, 83%, incluindo crianças, mulheres e idosos. Do lado de Israel, 1.665 foram mortos, sendo 1.200 no ataque terrorista de 7 de outubro de 2023. Segundo o Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, uma em cada três pessoas em Gaza passa dias sem comer. Há mais de 320 mil crianças pequenas que estão à beira de sofrerem desnutrição aguda.
No dia em que se comemora a trégua, a soltura dos 20 reféns israelenses que estavam em poder do grupo palestino Hamas e o anúncio de que 1.968 prisioneiros palestinos estão sendo libertados – o que merece toda celebração -, é deprimente ver os sobreviventes de Gaza correndo atrás dos caminhões com alimento. Durante todo esse genocídio, 2 anos, era proibido entrar alimentos em Gaza. Uma das estratégias era matar de fome e enfraquecer os que não morriam. Agora, ao ver o retorno a pé de, pelo menos, 500 mil palestinos a um local devastado, destruído e sem nenhuma esperança de ter uma vida parecida com a que tinham antes do genocídio, reconheço que choca ver a comemoração liderada pelo Trump.

Podem ter a certeza de que ali, onde se vê só destruição e escombros, e onde foram assassinados todos os palestinos, naquele cemitério a céu aberto, logo as empresas americanas estarão erguendo uma nova Gaza. Entre as fronteiras do Egito e Israel, num tamanho de 365 km quadrados, com o Mar Mediterrâneo como moldura, os seguidores de Benjamin Netanyahu e de Donald Trump estarão brindando a vitória. E, talvez, dividindo o prêmio Nobel da Paz.
Tudo me remete a Rui Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.”