Presa a mulher que ajudou os donos da Globo a se livrarem de um processo por crime de sonegação. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 15 de fevereiro de 2019 às 10:37
Cristina, de costas, José Roberto, Roberto Irineu e João Roberto Marinho

A Divisão de Captura da Polícia Civil do Rio de Janeiro postou em sua página no Facebook a foto de uma mulher de costas com vestido de oncinha, e registrou que se trata de uma condenada por inserir dados falsos em sistema de informação (artigo 313-A do Código Penal).

Seria apenas mais registro de rotina — prisão de uma condenada pela Justiça — não fosse a mulher a detentora de segredos que podem abalar a Rede Globo.

A presa é Cristina Maris Ribeiro da Silva, que também assina Cristina Maris Meinick Ribeiro, a mulher que deu sumiço no processo da Receita Federal em que os donos da Globo são denunciados por sonegação fiscal.

O crime é de doze anos atrás, e ela chegou a permanecer presa na época por três meses, mas foi colocada em liberdade através de um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes.

Os donos da Globo nunca responderam pela acusação de sonegação nem foram chamados para depoimento no caso do sumiço do processo, em que os maiores beneficiados foram eles.

Se o processo não tivesse desaparecido, a denúncia seria encaminhada à Procuradoria da República, à qual caberia a iniciativa de pedir a abertura de processo criminal.

Cristina impediu que isso acontecesse quando, no dia 2 de janeiro de 2007, interrompeu suas férias para ir à delegacia da Receita Federal onde estava o processo.

Ela levava uma bolsa vazia quando entrou e, ao sair, a bolsa estava cheia, conforme registraram as câmeras de segurança.

Cristina levava na bagagem os três volumes do processo. Denunciada, respondeu a uma sindicância e, mais tarde, por ordem da Justiça, foi presa preventivamente.

Solta, voltou a morar no apartamento de um andar, na avenida Atlântica, em Copacabana, avaliado em 4 milhões de reais.

Sempre que prestou depoimento, disse não se lembrar por que deu sumiço nos processo da Globo.

Seus advogados alegavam que o esquecimento era em razão de forte estresse emocional.

A investigação da Receita revelou que a Globo não foi a única empresa beneficiada pela ação criminosa dela.

Funcionária de baixo escalão da Receita, tinha sob sua responsabilidade digitar dados no Comprot, o sistema informatizado que registra os dados dos processos em tramitação na Receita.

Ela não tinha poderes para criar novos processos, mas podia modificá-los. Num processo em que um taxista carioca pedia isenção do IPI para  um carro novo, ela mudou os dados da ação. Tirou o nome do taxista, João Pereira da Silva, e colocou o da empresa Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos Ltda.

Também alterou a natureza do processo. Em vez da isenção de IPI, passou a constar crédito tributário para a empresa.

A Cor e Sabor Distribuidora de Alimentos, que era a maior fornecedora de quentinhas para os presídios do Estado do Rio de Janeiro, obteve assim declaração de compensação tributária e, em consequência, a certidão negativa de débito, necessária para celebrar contratos com o poder público.

Depois de cinco anos, a homologação da compensação se tornou automática, ainda que o processo físico nunca tivesse existido, e as informações colocadas no sistema fossem fictícias.

Em outro processo, uma pequena empresa, a Ótica 21, pediu seu reenquadramento no Simples, mas, com a inserção de dados falsos, se transformou num caso de compensação tributária em favor da Cipa Industrial de Produtos alimentares Ltda., dona da marca Mabel.

Muitas outras grandes empresas foram beneficiadas, como a Megadata, que faz parte do grupo Ibope.

Cristina também conseguia emitir novos CPFs para pessoas com nomes sujos na praça.

Todos esses processos andaram e levaram à prisão de Cristina, mas o caso da Globo ficou pela metade.

Cristina respondeu pelo desaparecimento do processo, mas o caso não identifica nem responsabiliza o mandante. 

A troco de que ela cometeu o crime? Por quê? Ela nunca explicou.

O processo desaparecido revelava sonegação da Globo no valor de mais de 600 milhões de reais, em valores da época, decorrentes da fraude que permitiu ao grupo comprar os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002 sem recolher impostos no Brasil.

Presa mais uma vez, agora pela condenação judicial, Cristina talvez recobre a memória e diga de uma vez por todas por que e a mando de quem resolveu ajudar os donos da Globo — Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho — a se livrarem de uma acusação por crime contra a ordem tributária.

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