Prescrição garantiu a Dallagnol impunidade no caso da denúncia contra Lula apresentada em powerpoint. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 25 de agosto de 2020 às 18:11

Deltan Dallagnol e mais dois da Lava Jato foram salvos da abertura de um processo disciplinar do Conselho Nacional do Ministério Público hoje pela prescrição, instituto que o próprio coordenador da força-tarefa condenou anos atrás, por entender que era a raiz da impunidade do Brasil.

O representante do Ministério Público Federal, Sílvio Amorim, foi quem convenceu os demais conselheiros de que o caso já estava prescrito na hipótese de ser aplicada pena de advertência aos denunciados.

Segundo ele, a prescrição aconteceu em 14 de setembro de 2017, um ano depois da apresentação da denúncia contra Lula em powerpoint, oportunidade em que os procuradores reconheceram a falta de prova, mas externaram que estavam convencidos da culpa do ex-presidente.

Na hipótese de que Dallagnol e os outros dois fossem punidos com a demissão, a prescrição ocorreria no dia 14 de setembro próximo. Porém a demissão só poderia ocorrer se levada em consideração pena anterior aplicada a Deltan Dallagnol, no caso a advertência por críticas externadas por ele contra ministros do STF.

Entretanto o ministro do STF Luiz Fux concedeu há alguns dias  tutela provisória de urgência em medida cautelar ajuizada por Dallagnol. Essa decisão impediu que o CNMP levasse em consideração essa advertência em julgamentos posteriores — foi providencial para salvar Dallagnol.

O coordenador da força-tarefa sabia que poderia ser afastado no julgamento realizado hoje ou em outras ações que tramitam no CNMP, como é o caso da reclamação pelo dinheiro que recebeu da Petrobras, em acordo celebrado nos Estados Unidos, para criar uma fundação em Curitiba.

Por 8 votos a 2, o CNMP considerou hoje que Dallagnol, Roberson Pozzobon e Júlio Noronha, procuradores que apresentaram a denúncia contra Lula, mereciam responder a processo administrativo disciplinar.

No entendimento deles, os três violaram o princípio de isenção que deve reger a atuação dos membros do Ministério Público. Por essa razão, os conselheiros decidiram comunicar aos procuradores que eles estão proibidos de utilizar o Ministério Público, suas instalações ou recursos para manifestação político-partidária.

De certa forma, essa decisão reconhece que, na denúncia contra Lula, os procuradores capitaneados por Dallagnol agiram com interesse político-partidário.

Nenhum conselheiro citou partido que teria se beneficiado com a apresentação em powerpoint da denúncia, sem fundamento em provas. Mas é óbvio que o prejudicado foi o PT.

Basta ver que, nas eleições que se realizariam duas semanas e meia depois daquela apresentação, o partido que tem Lula como presidente de honra e sua principal liderança sofreu a maior derrota de sua história.

Em São Paulo, por exemplo, João Doria foi eleito no primeiro turno.

O CNMP cogitou também enviar cópia do processo para o TCU, no sentido de que se verificasse o gasto feito com aluguel do hotel em Curitiba para a apresentação da denúncia.

Essa recomendação, no entanto, acabou não aprovada. No lugar, decidiram comunicar aos procuradores que não poderão usar recursos ou estrutura do MPF para atividades político-partidárias, como foi considerado o espetáculo do powerpoint.

O conteúdo da denúncia contra Lula não foi julgado pelo CNMP, mas já se sabe que ela não se sustenta, embora tenha sido usada por Sergio Moro para condenar o ex-presidente e abrir caminho para que ele fosse proibido de disputar as eleições em 2018.

O fundamento da denúncia era que o ex-presidente comandava uma organização criminosa destinada a saquear a Petrobras.

A denúncia nesse sentido foi apresentada por Rodrigo Janot, por envolver políticos com foro por prerrogativa de função, e acabou arquivada em Brasília, depois que o caso foi para a primeira instância. A Justiça entendeu que era uma acusação improcedente.

Se não havia quadrilha, não poderia haver chefe.

O julgamento de hoje mostra que o CNMP viu sinais de que a Lava Jato, no que diz respeito ao processo contra Lula, é uma organização com finalidade política.

É uma nódoa cada vez mais gritante no sistema de justiça brasileiro. É preciso removê-la ou reduzir os danos causados.

O passo fundamental para isso, aliada à necessidade de punição de Dallagnol, por fazer político travestido de procurador, é concluir o julgamento da parcialidade de Sergio Moro, na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus que se arrasta há quase dois anos.

Justiça tardia não é justiça, como prova o julgamento do processo administrativo que a defesa de Lula tentou abrir no CNMP.

Os conselheiros demoraram quase quatro anos para colocar a reclamação em julgamento e, quando colocaram, descobriram que havia prescrição ou iminência de prescrição, veneno para a sociedade, remédio para os malfeitores ou suspeitos de malfeitos, como é o caso de Deltan Dallagnol, Roberson Pozzobon e Júlio Noronha.

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com