Primeiro de Maio: ontem, hoje, sempre. Por Selvino Heck

Atualizado em 1 de maio de 2020 às 8:44
Primeiro de Maio com Lula. Foto: Mídia Ninja

PUBLICADO NO SUL21 

POR SELVINO HECK

O LOMBA, ANO 2, MARÇO 1979, NÚMERO 15: “PRIMEIRO DE MAIO. Sindicatos, associações de bairros e Movimento Contra a Carestia estão organizando, em todo o Brasil, a campanha por um Primeiro de Maio de Luta. Até o Dia do Trabalhador serão feitas assembléias, reuniões, debates e outras programações, para discutir a situação do trabalhador, vendo também como fazer para continuar a luta por melhores salários e por melhores condições de trabalho.

As reivindicações principais são a de um salário mínimo unificado e da estabilidade nos empregos. O salário mínimo exigido é de Cr$ 8.144,00, que é a quantia necessária para que se possa comprar a ração alimentar básica, conforme cálculo de técnicos, feitos a pedido de diversos sindicatos. E a estabilidade nos empregos é a condição para que os trabalhadores possam ter um pouco de tranquilidade, sabendo que não podem ser despedidos sem mais nem menos.

A campanha é chamada de Primeiro Maio de Luta, para lembrar que o Dia do Trabalhador não é de festa, nem de discurso. O Dia do Trabalhador é dia de luta, pois comemora a campanha pela jornada de trabalho de oito horas, levada no século passado pelos trabalhadores de todo mundo. Lembra, também, os oito operários norte-americanos que morreram na forca, durante a campanha, porque lideravam as lutas dos trabalhadores.” (O LOMBA era o jornal mimeografado do movimento comunitário da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre e Viamão, que começou a circular em setembro de 1977, vendido a Cr$ 2,00 nos mercadinhos e bares das comunidades.)

“CONFIDENCIAL. 0779. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. AGÊNCIA PORTO ALEGRE – PEDIDO DE BUSCA Número 00028/140/APA/89. DATA: 20 ABR 89. ASSUNTO: COMEMORAÇÕES DO DIA “DIA DO TRABALHO” – 01 MAI 89. ORIGEM: APA/SNI. DIFUSÃO: CMS – PM2/BM/RS.

  1. a) A cada ano, às vésperas das comemorações do “Dia do Trabalho” (01 MAI), as entidades sindicais e intersindicais noticiam a preparação de eventos alusivos à referida data, com destaque para a realização de diversos tipos de manifestações de protesto “contra a exploração salarial imposta pela classe patronal ao trabalhador brasileiro”.
  2. d) No corrente ano, as lideranças sindicais têm direcionado suas atenções para as discussões em torno da reposição das perdas salariais com o Governo e os empresários. Nesse particular, ainda não se observam grandes programações do MS para as comemorações do “Dia do Trabalho”.
  3. 1) Referente aos eventos programados para o dia 01 MAI 89, na CONTINUAÇÃO DO PEDIDO DE BUSCA NÚMERO 00028/140/APA/89. Capital e no interior do Estado, que sejam do conhecimento desse OI, solicita-se conhecimentos acerca das seguintes necessidades: – natureza do evento; – local e horário; – entidades e/ou pessoas promotoras. 2) Sobre os eventos realizados durante o “Dia do Trabalho”, solicita-se o atendimento das seguintes necessidades: – número de participantes; – identificação dos coordenadores e das lideranças sindicais, políticas, estudantis e populares presentes; – teor dos pronunciamentos e identificação de seus autores; – exemplares de material literário distribuído, se for o caso.

O DESTINATÁRIO É RESPONSÁVEL PELA MANUTENÇÃO DO SIGILO DESTE DOCUMENTO (Art. Número 12 – Dec. Número 79089,77 – Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos).”

“ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL BRIGADA MILITAR EMBM-PM2 – Fls 01/15. INFORME Número 308/31/89/PM2/BM/RS. DATA: 09MAI89. ASSUNTO: SEGUNDA ROMARIA DO TRABALHADOR – 1MAI89 – SAPIRANGA/RS. REFERÊNCIA PB Número 000228/140/APA/89. ORIGEM: EMBM- PM2. AVALIAÇÃO: 1. DIF. ANTERIOR: ***. DIFUSÃO: APA/SNI – E2/CNS – SCI/SSP/RS. ANEXOS: 04 fotografias do evento – impressos diversos coletados no local.

  1. Os romeiros que participaram da SEGUNDA ROMARIA ESTADUAL DO TRABALHADOR, em SAPIRANGA/RS, no dia Primeiro de Maio de 1989, das 1000 às 1700 horas, começaram a chegar à Praça Berlim, local da concentração, por volta das 0800 horas, oriundos de diversos municípios do interior do Estado, sendo recepcionados por componentes da Diocese local, devidamente identificados por crachás.
  2. À medida que o tempo passava, o número de romeiros ia aumentando sensivelmente, havendo, por volta das 0930 horas, aproximadamente 8.000 pessoas no local e cerca de 110 ônibus no estacionamento. Todos sob o comando dos organizadores do evento ensaiavam cantos (conforme anexo).” (Os documentos do SNI e da BM/RS estão transcritos na íntegra, ’ipsis literis’.)

Seguem 13 páginas com descrição das falas e relação de pessoas presentes, entre os quais: “36. Políticos presentes: JOSÉ FORTUNATTI, ADÃO PRETTO, SELVINO HECK, PAULO RENATO PAIM, ANTÔNIO MARANGON.” Segue, no relatório da BM/RS, a descrição do letreiro das faixas e cópia do panfleto convocatório: “O TRABALHADOR ORGANIZANDO A SUA LIBERTAÇÃO – PRIMEIRO DE MAIO 1989 – Fome, Doença, sem Teto –- Injustiça, Exploração, baixo Salário – SEGUNDA ROMARIA DO TRABALHADOR SAPIRANGA.”

A convocação do Primeiro de Maio/2020 está sendo feita nos grupos de Whats App e redes sociais: “PRIMEIRO DE MAIO UNIFICADO/2020 – SAÚDE, EMPREGO, RENDA, DEMOCRACIA – UM NOVO MUNDO É POSSÍVEL COM SOLIDARIEDADE – FIQUE EM CASA – Live a partir das 10h – CGTB, CTB, CUT, INTERSINDICAL Central da Classe Trabalhadora, CSP CONLUTAS, Central da Classe Trabalhadora, NCST Nova Central, FORÇA SINDICAL, INTERSINDICAL instrumento de Lula e Organização da Classe Trabalhadora, CSB Central dos Sindicatos Brasileiros, PÚBLICA CENTRAL DO SERVIDOR, UGT, FRENTE BRASIL POPULAR, FRENTE POVO SEM MEDO, Fórum pelos Direitos & Liberdades democráticas ”. (A transmissão virtual da manifestação acontecerá a partir das 9h30m de Primeiro de Maio/2020, pela Rede Soberania e retransmitida pelas Centrais Sindicais, Frentes e movimentos populares. LIVE: facebook.com/redesoberania. À noite, haverá um panelaço.)

Vale acentuar e assinalar.

As pautas de 1979, 1989, 2020 são as mesmas: salário justo, emprego, direitos, democracia.

Em 1979, havia uma Ditadura militar aberta. Mas as trabalhadoras e os trabalhadores estavam na luta e nas ruas. Em 1989, a redemocratização tinha acontecido, depois das Diretas Já, A Constituição Cidadã tinha sido proclamada, e havia previsão das primeiras eleições diretas para Presidente pós ditadura. No entanto, a espionagem, federal e estadual, estava a pleno vapor, talvez mais que em 1979. O povo, as trabalhadoras e os trabalhadores estavam nas ruas. Em 2020, há uma ditadura disfarçada, tutelada pelos militares. A espionagem, como vimos nas recentes mudanças no Ministério da Justiça e Polícia Federal, e nas manifestações populares dos últimos tempos, está a pleno vapor.

Desta vez, 2020, o coronavírus não permite ir para as ruas. As mortes estão aí por todos os lados. “E daí?”, pergunta o presidente fascista, sem alma e sem coração. Agora, a grande novidade é a mobilização via redes sociais, e os panelaços dia e noite, Brasil afora. As trabalhadoras e os trabalhadores continuam se manifestando no Primeiro de Maio e lutando por direitos. O povo resiste e defende a democracia.

A História não para. Nem a classe trabalhadora. Primeiro de Maio é dia de reafirmar que a luta continua, e de proclamar que a classe trabalhadora unida jamais será vencida.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).