
A princesa belga Marie-Esméralda Leopoldine afirmou estar “surpresa e triste” com o veto à sua participação em um debate na Bienal de São Paulo. O evento, que aconteceria nesta quinta-feira (6), foi cancelado após o curador da mostra, o camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, sugerir que a presença da princesa no pavilhão do Ibirapuera poderia constranger artistas da diáspora africana.
A decisão provocou reação da nobre, que está no Brasil para uma série de compromissos, entre eles a COP30, em Belém (PA).
“Posso dizer que estou surpresa por várias razões”, disse Esméralda em entrevista à Folha. “Nós não somos responsáveis por nossos ancestrais. Os descendentes dos nazistas na Segunda Guerra, por exemplo, não são tratados da mesma forma”.
Marie-Esméralda, de 67 anos, é sobrinha-bisneta de Leopoldo II, rei da Bélgica acusado de promover um dos mais violentos regimes coloniais da história durante o domínio belga no Congo, entre os séculos XIX e XX. Estima-se que milhões de africanos tenham morrido sob o controle do monarca, cujo governo foi classificado por historiadores como um verdadeiro genocídio.
O curador Bonaventure Ndikung, que também dirige o centro cultural Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, teria enviado uma mensagem à direção da Bienal pedindo o cancelamento da participação da princesa. Ele argumentou que a presença de uma descendente direta do rei Leopoldo II causaria “constrangimento aos artistas da diáspora africana”, maioria entre os expositores desta edição, e que alguns poderiam se recusar a permanecer na mostra caso o evento fosse mantido.

A princesa, que há décadas atua em causas ambientais e de direitos humanos, afirmou não compreender a decisão e destacou que sempre reconheceu os horrores do colonialismo.
“O período colonial belga foi terrível, um dos piores casos da Europa”, disse. “Sempre falei sobre a conduta dos meus ancestrais e sempre achei que nosso país deveria pedir desculpas ao Congo, mas essa atitude do curador me chocou”.
Conhecida pelo trabalho em defesa da floresta amazônica e das comunidades indígenas, Marie-Esméralda mantém laços com organizações brasileiras e já participou de eventos ligados à proteção da biodiversidade. No Brasil, ela também se preparava para uma série de debates sobre justiça climática, racismo ambiental e descolonização.
“O Brasil é um país que eu aprecio muito e trabalho com várias comunidades indígenas no Brasil. Isso é um assunto muito importante. Temos de falar sobre o que o colonialismo provocou, como o racismo e a mudança climática. Sou a primeira a dizer”, declarou.
Para a princesa, o diálogo seria o caminho mais produtivo. “Se ele [Ndikung] pensa isso, por que não convidar os artistas e falar sobre isso? Nunca tive problemas com nenhum artista africano”, questionou. Ela acrescentou que está disposta a tratar do tema de forma aberta e crítica:
“Estou aberta a conversar, é dever histórico meu criticar os meus antepassados. Se pensarmos assim, não falaríamos mais com os alemães, com os portugueses. É importante que falemos de forma aberta e clara sobre o passado”.