Prisão em segunda instância é filha do casamento espúrio entre Lava Jato e mídia. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 26 de janeiro de 2018 às 11:08
Jornalista Ascânio Seleme (hoje fora de combate), Moro e João Roberto Marinnho quando semeavam

PUBLICADO NA REVISTA DA CAASP, EM ABRIL DE 2016, E REPUBLICADO PELO DCM EM RAZÃO DA SUA ATUALIDADE GRITANTE

Por sete votos a quatro, o plenário do STF negou o habeas corpus 126.292 no último dia 17 de fevereiro, uma quarta-feira negra para a democracia, permitindo a execução de pena condenatória após a confirmação de sentença em segundo grau – antes do trânsito em julgado, portanto. Na prática, o que a corte fez foi acabar com a presunção de inocência, violando frontalmente o Artigo 5º (Inciso LVII) da Constituição Federal. Detalhe: a medida contradiz entendimento do próprio Supremo, de 2009, quando do julgamento do habeas corpus 84.078.

O relator, ministro Teori Zavascki, foi acompanhado pelos colegas Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, José Antonio Dias Toffoli, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes. Foram vencidos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

Em seu voto, Zavascki afirmou que se deve presumir a inocência do réu até que seja prolatada e confirmada a sentença penal em segundo grau, exaurindo-se, a partir desse momento, o princípio da não-culpabilidade, porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, tanto ao Superior Tribunal de Justiça quanto ao Supremo Tribunal Federal, não se prestariam a discutir fatos e provas, apenas matéria de Direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”, defendeu o ministro.

Tecnicalidades à parte, o voto de Teori Zavascki desprezou, além da Constituição brasileira, princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como apontado no voto contrário do ministro Celso de Mello: “A presunção de inocência, legitimada pela ideia democrática – não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos que absurdamente preconizam o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário –, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”.

O decano foi além: “A repulsa à presunção de inocência – com todas as consequências e limitações jurídicas ao poder estatal que dessa prerrogativa básica emanam – mergulha suas raízes em uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos restrições não autorizadas pelo sistema constitucional”. Oportunamente, Celso de Mello lembrou que o Decreto-lei número 88 de 1937, baixado sob as trevas do Estado Novo, “impunha ao acusado o dever de provar, em sede penal, que não era culpado”.

À lembrança do decano pode-se acrescentar outra: também os códigos de processo penal da Itália no período de 1913 a 1930, que nortearam o fascismo de Benito Mussolini, estabeleciam a presunção de culpa.

Importante destacar que a “presunção de não-culpabilidade”, para vários juristas um termo mais adequado que “presunção de inocência”, não está contemplada, em nível internacional, apenas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969), na Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950), na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice, 2000), na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Nairóbi, 1981), na Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, este adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966.

Os que compartilham do entendimento do ministro Teori Zavascki argumentam que a medida está em sintonia com as regras de países desenvolvidos. Em sua sanha punitiva, o jornal O Globo trouxe raciocínios como este em editorial: “O cumprimento da sentença a partir da decisão em segundo instância, a exemplo do que ocorre em outras nações, não fere o princípio da presunção de inocência, como querem fazer crer os críticos da decisão do STF. O pressuposto do direito a recursos até que se chegue a decisão transitada em julgado permanece preservado. O que o Supremo fez foi trazer para a realidade dos tribunais a eficácia do primado da lei”.

Não se compreende, entretanto, por que o primado da lei estaria vinculado ao encarceramento precoce.

O diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Oscar Vilhena Vieira, disse em entrevista à Folha de S. Paulo que “o Supremo seguiu o padrão internacional, que é a dupla jurisdição”. Observou, ainda, que nos Estados Unidos o encarceramento ocorre logo após a condenação de primeira instância.

Em artigo na revista Carta Capital, o desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, presidente do Instituto Giovanni Falcone, derrubou a tese do bom exemplo externo. “Não é correto afirmar que, em diversos países comprometidos com a proteção a direitos humanos fundamentais, até condenações de primeiro grau geram imediatas privações de liberdade. Na maioria dos países europeus, em primeira instância da Justiça criminal funcionam órgãos colegiados, enquanto entre nós, como regra, temos em primeira instância decisão judicial monocrática. Mais ainda, os referidos órgãos colegiados europeus analisam e deliberam sobre a exigência de se manter ou impor a prisão preventiva e fundada no princípio da necessidade: podem deliberar também por medidas cautelares alternativas à prisão fechada”.

Punições-espetáculo

Os paladinos da moralidade, que enxergaram na decisão do STF um progresso, ganharam de presente uma peça que, por suposto, justifica seu apego ao encarceramento de plano. Foi preso no último dia 8 de março, com base na medida do Supremo, o ex-senador Luiz Estevão, condenado a 31 anos de prisão por desvio de verbas das obras de construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. A sentença foi proferida em 2006 pelo Tribunal Regional da 3ª Região, condenando-o por peculato, estelionato, formação de quadrilha e uso de documentos falsos. Ao longo dos últimos 10 anos, Estevão entrou com 34 recursos e estava em liberdade. Ele pertence àquela linhagem de políticos-empresários que, pelo conjunto da obra, a população quer ver atrás das grades.

Exemplos como o do ex-senador, contudo, não comovem o advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. “Casos individuais que podemos transformar em espetáculo há dos dois lados. Eu posso apontar que, estatisticamente, existem cerca de 15 mil pessoas consideradas inocentes que teriam permanecido presas irregularmente durante anos por conta de prisão em segundo grau”, argumenta Serrano. “Pegar o caso de uma dessas pessoas e botar na televisão também vai emocionar. Não se resolverão problemas da sociedade com emoção barata e nem com novela”, avisa.

Segundo Serrano, a decisão do STF, além de afrontar a Constituição, contraria o Código de Processo Penal, o qual determina claramente que só pode ocorrer execução de pena após decisão transitada em julgado ou por medida de prisão cautelar. “O Supremo inobservou o Código Penal sem declará-lo inconstitucional. Isso representa uma afronta relativamente grave à ordem jurídica”, assinala.

A lentidão processual brasileira é outro argumento usado em apoio ao novo legado do Supremo Tribunal Federal. O professor da PUC-SP discorda. “O que poderia acelerar a Justiça é termos uma estrutura administrativa mais eficiente, informatizada, termos mais juízes, mais funcionários e funcionários mais treinados. Não se pode tentar acelerar a Justiça, por exemplo, cortando direito a recursos”, adverte Serrano. E acrescenta: “Eu creio que não são os recursos que atrasam os processos no Brasil. Quanto tempo os processos ficam parados dormitando em cartórios? O advogado que faz o dia a dia do Fórum sabe disso”.

O cumprimento da pena em segunda instância também encontrou vozes contrárias no entre procuradores do Estado. Presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, Márcia Semer diz que a decisão do STF foi equivocada, “precarizando o conceito de liberdade”. A procuradora pondera que, neste caso, “o Supremo não andou bem, mormente num momento em que as tensões sociais estão tão acirradas”.

Cerca de um quarto (25%) das decisões de segunda instância são reformadas, conforme estatísticas. Diante desse dado, Márcia Semer prevê que o afrouxamento constitucional promovido pela Alta Corte pode acarretar um surto de indenizações com consequências patrimoniais para o Estado. “Sopesando todas as questões envolvidas, a decisão do Supremo preocupa, e preocupa tanto advogados quanto juízes e promotores que militam na área criminal, porque na verdade essa precarização vai atingir um número significativo de pessoas que são, talvez, as mais despossuídas”, alerta, e protesta: “Não se pode permitir nenhum retrocesso democrático. Que nós processemos, julguemos e punamos todas as pessoas que pratiquem malfeitos, sejam esses malfeitos de qualquer área, na criminal, na civil, na área da probidade administrativa, mas que tudo isso seja feito na legalidade democrática, que é o principal”.

A opinião de Dalmo Dallari

“Eu me dispus a reexaminar a doutrina, a legislação, para ver se encontrava algum fundamento, alguma base jurídica aceitável para essa negação da presunção de inocência. Não encontrei”. O relato é do jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, para quem está havendo no Brasil “uma teatralização da vida política, que atingiu também o Judiciário”.

Dallari considera positivo que o STF supere a mera postura de “boca da lei”, formalista, tradicional, que ele diz ser herdada da teoria francesa que derivou para “um legalismo exagerado”. Porém, pondera, “ultimamente tem ocorrido o oposto, que é também muito ruim”.

“O Supremo, hoje, vai buscar a justiça, mas deve lembrar que existe uma Constituição”, ironiza.

Decisões judiciais têm sido fruto de “um certo deslumbramento dos juízes com o tratamento espetacular dado pela imprensa”, acredita Dalmo Dallari, e explica: “Juízes decretam prisões sem absoluta necessidade, chegam a julgar sem ter competência, buscando aparecerem bem perante a imprensa, muito felizes com a imagem de ‘salvadores da Pátria’. Isso é muito ruim para o Judiciário, para o Direito e para o povo brasileiro”.

Não se veja a argumentação de Dalmo Dallari como uma crítica frontal à Operação Lava Jato. Se por um lado ele não deixa de apontar a exploração política da midiática força-tarefa, por outro a enaltece: “Pessoas muito ricas, grandes empresários que até há pouco estavam imunes à qualquer responsabilidade jurídico-penal, passaram a ser responsabilizados. Há uma caminhada no sentido da igualdade jurídica, e esse é um aspecto positivo”.

O jurista marca posição firme contra aqueles que focam o Direito Penal na prisão pura e simples, e mais uma vez estende sua crítica à mídia: “Ainda hoje persiste no Brasil a mentalidade, estimulada pela chamada grande imprensa, de que se não houver encarceramento não há punição, o que é um equívoco. Se houve crime, é preciso que haja punição, mas que se preserve a dignidade da pessoa humana. É sabido que as prisões brasileiras estão superlotadas e funcionam como núcleos de comando de grupos criminosos, onde acontece o envolvimento de criminosos mais jovens desprotegidos. Por tudo isso, nós deveríamos pensar seriamente em opções ao encarceramento”.

A sede da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil esteve lotada no último dia 25 de fevereiro, quando a entidade lançou o manifesto “Em Defesa da Constituição e da Cidadania”, em repúdio ao fim da presunção de não-culpabilidade promovido pelo Supremo Tribunal Federal. “Vivemos 28 anos de democracia no Brasil e boa parte dessa conquista se deve ao STF, que, em diversas oportunidades, impediu avanços contra direitos e garantias individuais para fazer consolidar no país o tão caro Estado Democrático de Direito. Surpreende, portanto, a mudança radical de visão da nossa Suprema Corte, cuja atuação sempre ocorreu a favor da cidadania e da Constituição”, discursou o presidente da OAB-SP, Marcos da Costa. Ele observou que, além de não poder ser alterada, a cláusula pétrea constitucional da presunção de inocência não permite outra interpretação que não seja aquela que suas palavras exatas evidenciam.

Luiz Flávio Borges D’Urso, conselheiro federal da OAB por São Paulo e ex-presidente da seccional paulista da Ordem, referiu-se à decisão do Supremo como um “desastre humanitário”, e foi além: “Enquanto o mundo busca caminhos para punir sem encarcerar, essa decisão privilegia a prisão antecipada, na contramão da evolução do Direito Penal mundial”.

Para o ex-presidente do Conselho Federal e da Seção de São Paulo da OAB José Roberto Batochio, o Supremo atuou como legislador, usurpando atribuições constitucionais do Congresso Nacional. “Não é mais a norma esculpida na Constituição, nem a lei processual, nem o regimento interno da própria corte que embasa suas decisões. É uma atividade que se informa no raciocínio político e não no jurídico-constitucional”, sentenciou Batochio.

“É incabível que o guardião da Constituição Federal faça essa tentativa de desrespeitá-la, obrigando a que nós nos mobilizemos em sua defesa”, assinalou o presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Antonio Funari Filho.

Na opinião do presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Leonardo Sica, a decisão da corte suprema mostra que “o sistema de justiça absorve a instabilidade política, julga conforme o clima e produz insegurança jurídica”. Já o presidente do Sindicado dos Advogados de São Paulo, Aldimar de Assis, defendeu que as entidades signatárias do manifesto empenhem-se por reverter a medida, mesmo que seja necessário recorrer a tribunais internacionais.

Ao lado da OAB-SP, assinaram o manifesto “Em Defesa da Constituição e da Cidadania” o Instituto dos Advogados Brasileiros, o Instituto dos Advogados de São Paulo, o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, a Associação dos Advogados de São Paulo, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, a Academia Paulista de Letras Jurídicas, a Academia Paulista de Direito, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, o Movimento de Defesa da Advocacia, o Sindicato dos Advogados de São Paulo, o Centro de Estudo das Sociedades de Advogados, a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, o Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, o Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas e a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

Condenação sem defesa

Meses antes da decisão do STF, o juiz Sérgio Moro, a quem cabe julgar os réus da Operação Lava Jato, assinou artigo no jornal O Estado de S. Paulo em que defendia a prisão a partir da sentença de primeira instância como forma de combater a impunidade. O Supremo não chegou a tanto, mas sinalizou que, a exemplo de Moro, está preocupado com a imagem de uma Justiça que não pune e que permite ao criminoso buscar inúmeros recursos para fugir do cumprimento da pena.

O caso de um ex-diretor de uma empresa de turismo e câmbio do Ceará pode ilustrar o risco de o Judiciário seguir tal orientação. Há alguns anos, o diretor foi denunciado pelo Ministério Público Federal por supostamente omitir dados em demonstrativos contábeis da empresa, movimentar recursos “consideráveis” fora da contabilidade oficial e sonegar informações “para suprimir o imposto devido”.

O juiz de primeira instância, depois de ouvir a defesa, concordou com o procurador encarregado do caso e condenou o diretor à pena de reclusão. Os advogados recorreram ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que manteve a condenação, só que com base em outro artigo da mesma lei que trata dos crimes contra o sistema financeiro, a 7.492, o de operar instituição de câmbio sem a devida autorização.

Se já houvesse jurisprudência do STF de que a condenação em segunda instância é suficiente para encarcerar o acusado, o diretor da empresa de turismo teria ido para a cadeia. Mas, nesse caso específico, ele não teve direito a se defender das acusações, já que, no momento de apresentar provas, em primeira instância, a denúncia era outra.

Os advogados do executivo recorreram ao Superior Tribunal de Justiça e a sentença foi reformada. O caso foi relatado por um desembargador convocado pelo STJ, Jonny de Jesus Campos Marques, que entendeu ter havido constrangimento ilegal, já que o réu não teve como se defender da acusação de operar instituição de crédito sem a devida autorização do Banco Central. “A denúncia não faz qualquer referência a fato que se amolde à figura típica estabelecida no artigo 16”, escreveu em seu voto Campos Marques, que é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. O voto foi seguido por todos os ministros da 5ª Turma do STJ.

“Como ele terminou condenado por uma infração penal em relação à qual não se defendeu, me pareceu evidente a ocorrência de ofensa ao princípio que prevê a ampla defesa”, acrescentou o desembargador, que ocupava uma vaga do STJ por convocação. Tivesse o ex-diretor da empresa de turismo passado um dia na prisão, quem seria responsabilizado pela violação de um dos maiores direitos assegurados pela Constituição, o direito à liberdade?

Fim do sigilo bancário

Não é apenas o afrouxamento constitucional representado pelo fim, na prática, da presunção de não-culpabilidade que estremece Estado Democrático. Outra decisão do Supremo Tribunal Federal, esta de 24 de fevereiro último, torna o Estado assemelhado ao Grande Irmão de George Orwell. Por 9 votos 2, o STF considerou constitucional uma lei complementar de 2001 que permite à Receita Federal acessar dados bancários de quem quer que seja, pessoas físicas e jurídicas, sem autorização judicial. A medida, no entender da maioria dos ministros, não fere o princípio constitucional da privacidade e faz prevalecer o interesse público. Mais uma vez, parece ter pesado sobre a corte a necessidade de combate duro à corrupção, em suas faces de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

Ressaltem-se os votos contrários dos ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, para quem a medida pode abrir brecha para devassa de dados sigilosos por outros órgãos.

“A medida fere frontalmente o Artigo 5º, Inciso XII, da Constituição Federal. No entendimento do STF, da Receita e do Ministério Público, não há violação de sigilo, mas sim uso da informação. Isso é um jogo de palavras, uma maneira de relativizar a quebra de sigilo”, afirma o advogado Rodrigo Forcenette, professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Forcenette contradiz, também, o argumento de que os bancos já têm o direito de acesso aos dados dos clientes e de que a Receita o tem via Declaração de Imposto de Renda. “Ora, o que ocorre na Declaração e na relação cliente-banco são atos de vontade do particular. Está sendo usado um jogo de palavras para violar uma cláusula pétrea da Constituição”, salienta.

Para Heloísa Estellita, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, “a decisão se coloca dentro do quadro de retrocesso em termos de direitos e garantias individuais”. Ela pondera que a Receita pode até ter acesso a movimentações bancárias, porém de modo restrito. “Um exemplo seria a autorização para conhecimento de movimentação mensal global, sem revelação de dados que impliquem restrição de privacidade, como fontes de pagamentos, destinação de gastos etc. As autoridades públicas não precisam, para o exercício de suas funções, de todos os dados de movimentação bancária, mas apenas daqueles que permitam desempenhar suas funções – qualquer coisa além disso é limitação indevida do direito á privacidade”, explica.

*Colaboraram Joaquim de Carvalho e Karol Pinheiro